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A origem dos principais métodos de ballet clássico

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Livro: “Métodos do balé clássico”, de Caroline Konzen Castro

Se você acompanhou os posts sobre o livro da Escola Bolshoi, viu que mencionei o método Vaganova. Mas, afinal, o que é um método de ballet clássico?

Os chamados métodos nada mais são do que formas consolidadas de ensino, ou seja, são maneiras ordenadas de ensinar e aprender o ballet.

No livro de Caroline Konzen Castro, a autora explica as origens de alguns dos métodos de ballet existentes e narra como a dança clássica se desenvolveu no contexto histórico e cultural de cada país.

Vem comigo sentir o gostinho dessa leitura deliciosa!

Os métodos de ballet clássico

Existem 07 métodos de ballet clássico principais: o italiano, o francês, o russo, o inglês, o dinamarquês, o americano e o cubano. A autora, porém, escolheu abordar apenas os 04 primeiros, sob a justificativa de que esses são os mais conhecidos mundialmente.

Vamos analisar muito brevemente a história de cada um deles, conforme consta no conteúdo do livro.

O método Cecchetti (escola italiana)

Enrico Cecchetti e alunas.

Atribui-se a origem do ballet à Itália. Isso porque os primeiros tratados de dança surgiram nesse país, em meados do século XV. Os tratados da dança tinham como objetivo instaurar uma teoria sobre a arte da dança, que até então era inexistente. Assim, neles foram contemplados princípios como compasso, memória e uso do espaço.

Nessa época, a dança era considerada uma atividade de elite. Nesse sentido, o nobre era considerado educado e intelectual por dançar, de modo que a dança lhe dava status e prestígio social. Nesse contexto, as danças na corte eram chamadas de ballo, termo que os franceses se apropriaram e denominaram ballets.

Embora o processo de unificação da Itália tenha prejudicado a consolidação da Escola Italiana de ballet, ela se desenvolveu no decorrer do tempo, especialmente graças aos trabalhos de Gasparo Angiolini, Salvatore Viganò, Carlo Blasis e Enrico Cecchetti.

Gasparo Angiolini, bailarino, coreógrafo e mestre da dança, fazia a distinção entre o que chamava de dança material e pantomima. Segundo ele, a dança material tinha como base os fundamentos da dança acadêmica, enquanto a pantomima abrangia os sentimentos e ideias dos homens. Dessa forma, a dança material decorria de uma tradição imutável, ao passo que a pantomima era uma dança expressiva.

Nesse sentido, a grande contribuição de Angiolini foi considerar posturas imóveis como parte da mímica teatral.

Salvatore Viganò, outro mestre italiano, teve grande reconhecimento do público devido ao fato de que seus ballets eram compostos inteiramente de pantomima. Mais do que isso, suas produções continham gestos eloquentes e diretos. Essa forma de espetáculo ficou conhecida como choreodrama.

Carlo Blasis foi um dos primeiros mestres da dança a estruturar uma metodologia de ensino de ballet mais elaborada. Nesse sentido, ele não apenas definiu o que era mas como dançar ballet. Blasis também estruturou a aula de ballet: exercícios na barra, adágio, piruetas e allegro, que continuam a ser a base do treinamento diário do bailarino até os dias atuais.

Ainda, Blasis defendia a importância de escolher um bom mestre para se estudar ballet, por entender que o sucesso ou fracasso do bailarino depende sobretudo da qualidade do ensino da dança logo no início.

Tal como Blasis, Enrico Cecchetti foi responsável por introduzir a técnica da escola italiana na Rússia no período em que a Itália sofria o processo de unificação. Cecchetti enfatizava a repetição e as acrobacias, assim como longas e exaustivas sequências para desenvolver a força e a resistência dos bailarinos. Nesse sentido, Cecchetti tornou a técnica clássica mais vigorosa e flexível.

O método francês (a escola francesa)

Jean-Georges Noverre

O casamento entre a italiana Catarina de Médici e o francês duque de Orleans foi decisivo para o desenvolvimento do ballet na França. Isso porque, diante desse fato, o violinista Balthasar de Beaujoyeux se tornou um importante coreógrafo da corte francesa.

Com efeito, Beaujoyeux coreografou o Ballet Comique de la Reine, considerado um marco por ter unificado os elementos do ballet com um enredo coerente.

Em 1626, porém, surgiu um novo gênero de ballet, o Ballet à Entrée, em que os bailarinos profissionais substituíam os nobres nos solos de dança, a fim de agradar o público. Esse é o momento em que se percebe uma tendência a profissionalizar o ballet. Por outro lado, a dança ainda estava vinculada a encenações teatrais.

No auge do absolutismo, Le Ballet de la Nuit, ballet que retratava a ascensão do Rei Sol, representado por Luís XIV, foi reapresentado várias vezes em Paris, reafirmando a posição elevada do monarca.

No intuito de aumentar a disciplina da corte, Luís XIV buscou centralizar todas as artes para seu controle pessoal. Desse modo, instituiu a criação da Académie Royale de Danse (Academia Real de Dança) por meio das Letters Patent (Cartas Patentes), o primeiro documento de instituição oficial de ensino de dança que se tem registro no mundo ocidental.

A criação da Académie Royale de Danse foi resultado de um movimento dos próprios mestres de dança. Isso porque, antes de sua criação, tanto profissionais da dança quanto da música eram subordinados à mesma associação, cujo chefe era Guillaume Dumanoir.

Dumanoir cobrava taxas altas para permanecer na chefia de ambos os grupos, o que gerou insatisfação e disputa de poder. Uma vez que a Académie Royale de Danse foi instituída, os profissionais da dança obtiveram mais independência, já que passaram a arrecadar os próprios recursos.

Os membros da Académie Royale de Danse reuniam-se regularmente a fim de  definir meios de aperfeiçoar os padrões artísticos da dança. Isso resultou num aumento do número de bailarinos profissionais, ao passo que amadores da corte foram deixados de lado. Em outras palavras,

a Académie Royale de Danse contribuiu para a morte do balé de corte como recreação.

No contexto político, a França se tornou referência no ballet, mas os italianos ainda tinham o monopólio da ópera. Buscando mudar esse cenário, Luís XIV determinou a instituição da Académie de l’Opéra, que se tornou mais tarde a Académie Royale Musique.

A Académie Royale Musique foi dirigida pelo bailarino e compositor Jean-Baptiste Lully, cujas grandes contribuições foram estabelecer uma rotina de aulas e ensaios e substituir os cortesãos por profissionais nos ballets.

O ballet que marcou a despedida definitiva dos amadores de cena, porém, foi o Le Triomphe de l’Amour, que também teve pela primeira vez a presença de mulheres encenando em teatro público. Uma das bailarinas foi Mademoiselle La Fontaine, primeira bailarina profissional e conhecida por compor seus próprios passos.

Outro grande legado de Luís XIV foi a criação de uma escola de ballet, a atual L’école de Danse de l’Opéra de Paris; a instituição de uma escola de dança impulsionou a sistematização da técnica do ballet. Nesse contexto, Pierre Beauchamps definiu as cinco posições dos pés e braços e também a nomenclatura do academicismo clássico na língua francesa.

Outra transformação nessa época foi a gradativa substituição da belle danse pelo ballet d’action. A belle danse era uma dança mecânica e artificial dançada pelos nobres na corte. O ballet d’action, defendido por Jean-Georges Noverre e Gasparo Angiolini, buscava dar mais expressividade à dança.

A personificação desse momento de mudança é o bailarino Auguste Vestris que, além da sua versatilidade no palco, estabeleceu que os pés deveriam abrir en dehors de 180 graus.

No século XIX, o ballet sofreu um momento de declínio, visto que muitos bailarinos não conseguiam alcançar a excelência do trabalho de Vestris. A partir de então, uma nova transformação no ensino do ballet aconteceu, com mudanças no treinamento e no currículo dos bailarinos. Hoje, o Palais Garnier ostenta grande reconhecimento internacional.

O método Vaganova (escola russa)

Agrippina Vaganova em Esmeralda.

O ballet na Rússia teve início com a importação de técnicas de professores de origem italiana e francesa.

O imperador russo Pedro, O Grande, buscava ocidentalizar a cultura russa. Assim, por meio da dança, mestres franceses e italianos iam à Rússia ensinar postura e modos apropriados às crianças da aristocracia.

Porém, foi no império de Anna Ivanovna que o ballet ganhou força no país. Com efeito, Ivanovna fundou a Academia Militar, na qual Jean-Baptiste Landé ensinava dança social e os princípios da dança de palco dramática.

O trabalho de Landé na Academia Militar causou grande admiração da imperatriz, o que impulsionou a criação de uma escola oficial de dança na Rússia, a Imperial Russian Ballet School, hoje chamada Vaganova Ballet Academy.

Inicialmente, filhos de servos com pelo menos 07 anos de idade ingressavam na escola. Os alunos deveriam permanecer lá por 10 anos, enquanto o governo se responsabilizava pelos custos da instituição. As crianças da aristocracia não foram escolhidas, já que suas famílias ficariam escandalizadas por submeter seus filhos a grandes esforços e a uma disciplina de obedecer seus mestres.

Em 1764, a imperatriz Catherine II fundou o Orfanato de Moscou e, em 1773, estabeleceu aulas de dança para os órfãos nela residentes. Dessa instituição se originou o Bolshoi Ballet Academy e o Bolshoi Ballet.

Paralelamente, em 1766, Catherine II também criou o Diretório dos Teatros Imperiais, que instituía três teatros públicos em São Petersburgo, sendo um deles uma ópera e ballet franco-italianos.

Em 1801, o ballet russo foi renovado, graças ao mestre francês Charles-Louis Didelot, convidado pelo imperador Alexandre I a dirigir o Teatro Imperial de São Petersburgo. Didelot criava uma dinâmica coreográfica que permitia ao público ver a habilidade especial de cada bailarino.

Com a invasão de Napoleão na Rússia, Didelot foi para a Inglaterra. Ao retornar à Rússia, notou que o fervor patriótico no país crescera consideravelmente, de modo que priorizou os bailados com temas russos. Seu trabalho produziu excelentes bailarinos, dentre eles a bailarina Maria Danilova, a melhor de sua época.

Outros mestres franceses lecionaram na Rússia, como Jules Perrot e Marius Petipa. Nesse período, ballets como A Bela Adormecida e O Lago dos Cisnes consagraram o ballet como uma arte da Rússia imperial.

Agrippina Vaganova cresceu na tradição de Petipa e se graduou como bailarina, integrando o Ballet Imperial da Rússia. Mesmo como bailarina, Vaganova sempre se interessou pela técnica do ballet. Pouco antes da Revolução Russa de 1917, Vaganova decidiu se dedicar ao ensino.

Desde o início de sua atuação como professora, Vaganova analisava cuidadosamente cada passo, a fim de preparar seus alunos para a dança clássica. Sua neutralidade política e sua adaptação dos métodos francês e italiano a alçaram ao cargo de diretora artística do Soviet Ballet.

Vaganova tinha 03 principais objetivos: 1) preservar os ballets de dança clássica; 2) desenvolver jovens coreógrafos e 3) promover jovens bailarinos. Em 1934, publicou o livro Basic Principles of Classical Ballet, registro de seu método de ensino, cujo foco é fortalecer o corpo e treinar os músculos para a posição correta do ballet. Com efeito, suas aulas tinham fundamentos na fisiologia que havia por trás da técnica clássica.

A escola Vaganova Ballet Academy formou bailarinos como Anna Pavlova, Rudolf Nureyev, Mikhail Baryshnikov e George Balanchine. Não é á toa que, ainda hoje, a escola é uma das instituições mais desejadas pelos estudantes que querem se tornar bailarinos profissionais.

O método Royal Academy of Dance (escola inglesa)

Edouard Espinosa e alunas.

Ao contrário do que ocorria no século XVII na França, na Itália e na Rússia, o ballet não se desenvolvia na Inglaterra. O motivo, em especial, era o fato de que o ballet era considerado uma arte francesa e, num contexto geopolítico em que França e Inglaterra estavam em constantes disputas de poder, os ingleses não tinham interesse nos feitos de seus rivais históricos.

Contudo, no século XVIII, o mestre de dança John Weaver começou a mudar esse cenário. Conhecido como o pai da pantomima inglesa, Weaver incorporou a mímica e a narratividade à cena de dança. Atento às inovações que ocorriam na França, Weaver também traduziu o tratado Choreographie para o inglês, tornando acessível o sistema de Pierre Beauchamps aos bailarinos ingleses.

Weaver almejava elevar o status de sua profissão, visto que a dança ainda era vista apenas como um exercício físico, e não como uma arte. Nesse sentido, Weaver publicou uma carta a favor da dança na revista The Spectator, além de publicar também a obra An Essay Towards na History of Dancing, na qual enfatizou a qualidade de imitação na dança clássica.

No final dos séculos XIX e XX, foram fundadas várias associações de professores de dança, que buscavam regulamentar a profissão. Isso porque, nesse período, muitos desempregados se lançaram como professores de dança sem ter a necessária qualificação, de modo que o público leigo era facilmente enganado. Desse movimento, então, surgiu a Imperial Society of Dance Teachers, existente até hoje.

Paralelamente, nesse mesmo contexto, o professor e bailarino Edouard Espinosa publicou um artigo na revista Dancing Times afirmando que o motivo da má qualidade do ballet na Inglaterra era a ausência de uma escola estatal, o que gerou grande repercussão.

Embora o plano de Espinosa não tenha sido colocado em prática imediatamente devido à Primeira Guerra Mundial, em 1920 um grupo de bailarinos e professores fundou a The Association of Operatic Dancing of Great Britain (AOD). Essa associação criou um currículo que demarcou a técnica de ballet inglesa, fruto de uma análise dos outros métodos de dança existentes.

Em 1928, a AOD conquistou o patronato da rainha Victoria Mary e, em 1936, o rei George V nomeou oficialmente a AOD com o título de Royal Academy of Dancing, renomeada em 2001 Royal Academy of Dance.

Sobre a leitura

O livro já me conquistou pela capa. A imagem de uma bailarina de Degas é suficiente para me chamar a atenção e querer abrir o livro.

Ballet. Edgar Degas. 1877. Pastel sobre cartão. Pintura em exposição no
Museu d’Orsay, em Paris.

O conteúdo do livro é uma belíssima viagem pela história do ballet. A autora, que além de bailarina e coreógrafa é pesquisadora, foi muito perspicaz em transformar sua dissertação de mestrado na área da dança numa obra acessível ao público em geral, uma das poucas existentes em língua portuguesa.

Cada capítulo do livro se aprofunda em um método de ballet clássico. A autora esclarece como a dança se desenvolveu dentro de cada contexto histórico e cultural, desde o século XVI até os dias atuais. Durante a leitura, fica clara a relação entre contexto político e social com o desenvolvimento da arte.

Além disso, tão interessante quanto entender a história é conhecer os nomes que transformaram o ballet. Na obra, nomes como Enrico Cecchetti, Marius Petipa, Gaétan Vestris, Carlo Blasis, Jean Georges Noverre e diversos outros são apresentados pela autora com maestria.

Em poucas palavras, é uma leitura enriquecedora. Certamente esse será meu mais novo livro de apoio, no qual poderei consultar com facilidade e rever cada período histórico de formação dos métodos de ballet.

Para não dizer que é perfeito, o livro contém alguns erros pontuais de português. Apesar disso, o conteúdo se sobressai, por ser fruto de uma pesquisa muito bem feita e interessante.

Recomendo a todos que tem vontade de aprender história e dança. Boa leitura!

Ficha técnica

Título: Métodos do balé clássico

Editora: CRV

Ano: 2015

Autora: Caroline Konzen Castro

Número de páginas: 190

ISBN: 9788544403969

Indisponível em e-book até o momento

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