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A diferença entre os métodos cubano, Vaganova e Royal (RAD)

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Livro: “Ballet: métodos e corpos”, de Kamila Cidrim

Quais as diferenças entre os métodos de ballet clássico?

Eis uma pergunta que eu sempre me fiz, até ser apresentada a esse livro. A autora, Kamila Cidrim, fez uma fantástica pesquisa sobre os métodos nos quais ela teve contato:  cubano, inglês (RAD) e russo (Vaganova).

Embora já tenha lido outra obra sobre os métodos de ensino de ballet, aquela abordava apenas os aspectos históricos e políticos que originaram cada método, sem aprofundar nas metodologias em si.

Para minha alegria, em Ballet: métodos e corpos, a finalidade do livro é analisar cada nomenclatura, cada passo, cada sequência de aula nas metodologias propostas. É de brilhar os olhos! 

Acompanhe comigo.

Diferença entre escola, método e estilo

Antes de adentrar nos métodos, a autora separa um pequeno capítulo para fazer uma distinção conceitual importante:

  • O método de ballet diz respeito ao modo como se transmitem os saberes;
  • Escola de ballet, por sua vez, é o “conjunto de regras em que se apoia o método de ensino para o desenvolvimento de um estilo próprio de dança acadêmica”;
  • Por fim, estilo é a estética da dança, a forma como o método leva os bailarinos a dançar.

Método, escola e estilo formam, portanto, a base conceitual de toda a leitura do livro que se segue.

A escola e a metodologia russa (Vaganova)

Como se sabe, Agrippina Vaganova era uma bailarina insatisfeita com o antigo sistema de ensino de ballet na Rússia, que misturava as escolas francesa e italiana.

Para Vaganova, os franceses eram demasiado decorativos e descuidavam da técnica de braços, que ela descreveu como sendo afundados e com os dedos das mãos esparramados. Por outro lado, aos italianos faltava poesia e conteúdo, além de haver uma técnica com formas duras de se comprimir as pernas nos saltos.

Desse modo, Vaganova criou seu próprio sistema de ensino, que se consolidou e leva seu nome até hoje.

Vaganova e alunas

Na escola Vaganova, os exercícios podem ser realizados de diversas maneiras, desde que pensados com antecedência. Um professor jamais entra em sala de aula para ensinar de improviso.

Sobre o método em si, uma característica da metodologia russa é a ênfase no uso adequado do aplomb, ou seja, na correta posição do tronco. Nesse sentido, também o aspecto artístico é valorizado, já que cada movimento do corpo tem um épaulement diferente em evidência. 

Como se percebe, o método Vaganova têm algumas características próprias, que vão desde a nomenclatura até ao modo de realizar cada exercício.

Os braços, por exemplo, possuem apenas três posições, e não cinco, como nos demais métodos. Além disso, a posição bras bas é chamada de preparatória.

Aliás, a preocupação com os braços é um traço marcante do método russo. As sequências de port de bras são muito bem definidas e ensinadas de forma gradativa aos estudantes. Segundo Vaganova, quando bem aprendidas, essas sequências tornam o bailarino apto a qualquer tipo de movimentação de braços, o que torna sua dança plena e harmônica.

Outra diferença interessante diz respeito ao sur-le-cou de pied: além da posição devant, com o pé enroscado no tornozelo, há ainda a forma condicional, em que o antepé também se posiciona na perna de base.

As aulas na metodologia Vaganova também se distinguem por ter adágios longos, com muito trabalho de sustentação e alongamento. Allegros e baterias, por sua vez, têm tempo reduzido de aula.

Essas e outras características não apenas definem o método russo, como impactam diretamente na técnica e no estilo do bailarino.

A escola e o método inglês (RAD)

A Royal Academy of Dance (RAD) é o maior sistema de ensino de ballet clássico do mundo. Embora historicamente o ballet tenha se desenvolvido mais tarde no Reino Unido, é certo que hoje sua metodologia está consolidada, com influência em mais de setenta e cinco países.

A RAD oferece dois programas de formação:

  1. Graded Examination Syllabus e o
  2. Vacational Graded Syllabus.

No primeiro, há dois graus de iniciação à dança (pre-primary in dance e primary in dance) e oito graus de avaliações técnicas (grades). Nesse plano de estudos, a técnica nos exercícios de ballet clássico, free movement e dança à caráter é avaliada de acordo com a dificuldade proposta para cada nível. Objetivo do Graded Examination Syllabus, desse modo, é favorecer a progressão da técnica dos estudantes.

O segundo programa de formação é direcionado aos jovens que pretendem seguir carreira profissional. Esse programa é bastante rigoroso e foca apenas na técnica clássica e no trabalho das sapatilhas de ponta. Os graus do currículo profissional (vocational grades) são:

1) intermediate foundation;

2) intermediate;

3) advanced foundation;

4) advanced 1;

5) advanced 2; e

6) solo seal, que é o selo para bailarinos solistas.

No Vacational Graded Syllabus, a sequência dos graus deve ser necessariamente seguida. Apenas o sucesso em uma etapa permite o avanço para a próxima.

O que se observa do método inglês é que o avanço é bastante lento, especialmente para os níveis iniciantes. A ideia é que o aluno tenha tempo suficiente para aprender cada detalhe, para só então ter um treinamento mais desafiador. Nesse sentido, o método RAD se atenta para que o aluno tenha profundo conhecimento das bases do ballet. Como consequência, seus alunos se destacam pela boa limpeza técnica.

Outra característica notória do método inglês é a preocupação com a performance dos bailarinos enquanto artistas. Há muita ênfase no trabalho de expressão e musicalidade, como se pode observar no currículo do Graded Examination Syllabus.

É interessante observar que a RAD também passa por constante atualização. Seus planos de estudos são frequentemente revisados e cursos são sempre oferecidos aos seus professores. Desse modo, a renovação contribui para o método inglês ser bastante duradouro.

A escola e o método cubano

A escola cubana surgiu da adaptação do método russo. É a escola mais nova conhecida, mas também a mais inovadora. A criação do método cubano teve como premissa mostrar que, para ser bailarino clássico, não é necessário possuir o biotipo longilíneo europeu. Nesse sentido, a técnica cubana busca valorizar o físico latino-americano.

Nota-se, por exemplo, que alguns elementos da cultura cubana foram integrados ao método, como movimentos de quadris e braços comuns às danças populares caribenhas. O criador do método, Fernando Alonso, afirma que a “forma cubana de dançar” mistura o senso viril espanhol e o charme africano, que são as origens do seu povo.

O método cubano se destaca pelas aulas expansivas, com muitos allegros, baterias e piruetas. Segundo Alonso,

“A qualidade é melhor que a quantidade, mas a quantidade com qualidade é ainda melhor”.

O método cubano também se caracteriza pela preocupação com a emoção, o lirismo e a comunicação do bailarino. Nesse sentido, a dança deve considerar que sentimento é demonstrado com o passo, seja dramático, romântico ou que demonstra ódio.

No método cubano, a posição é denominada passé quando os pés se encontram na lateral do joelho da perna de base; à frente do joelho, passé devant; e atrás do joelho, passé derrière. Se a perna passa de frente para trás ou de trás para frente, isto é, se ela se movimenta de uma posição para outra, o passo é chamado retiré (devant ou derrière). Essa é a lógica exatamente oposta ao método inglês, que denomina a posição de retiré e o movimento de passé.

Ainda sobre o retiré, um traço distintivo do método cubano é o trabalho de força no glúteo. Enquanto RAD e Vaganova não ensinam esse trabalho na execução do retiré, no método cubano se trabalha a retração glútea, a fim de permitir maior sustentação do corpo, o que evita o desequilíbrio no balance.

Uma comparação interessante sobre a aula do método cubano é a que se faz com o método russo. Enquanto em Vaganova a repetição de um exercício quer dizer diminuir a quantidade de outros durante a aula, no método cubano se prioriza a aula completa, bem como a repetição de cada exercício. Ou seja, enquanto para os russos é melhor evitar a sobrecarga de trabalho dos músculos, para os cubanos é preferível que o aluno tenha melhor apreensão do exercício.

Contudo, de todas as diferenças que se pode fazer, há que se destacar a sequência de exercícios na barra no método cubano. Com efeito, enquanto nas outras metodologias a aula se inicia com pliés, no método cubano se priorizam os tendus. Isso porque, no plié, há um risco de lesão, caso haja desequilíbrio no quadríceps femoral. Com base nisso, Alonso estabeleceu que devem ser feitos vários tendus antes do plié.

Sobre a leitura

Esse livro é um achado. Eu sempre quis encontrar um livro que me explicasse as diferenças de cada método, e é isso o que Ballet: métodos e corpos se propõe a fazer. Com o tanto de conteúdo que ele traz, não parece que suas poucas páginas são tão ricas, especialmente se se considerar que a fonte é grande e a diagramação é bem espaçada.

No começo do livro, a autora faz um breve apanhado histórico. Muito claro e objetivo, excelente para situar o leitor no contexto de cada metodologia. Depois, ela explica as características gerais de cada uma, com algumas análises de currículo, para então explicar as peculiaridades de cada método. A partir daí, chuva de informação. Muito detalhe técnico importante. Eu me bati um pouco nos termos de anatomia (sou de humanas), mas não foi uma grande dificuldade entender o que estava sendo dito.

Enfim, cheguei na melhor parte da leitura. O que é mais fascinante nesse livro é a confrontação dos métodos. A autora coloca de maneira muito didática as semelhanças e as diferenças entre cada um deles, tanto nos aspectos de nomenclatura como de execução e uso. Aliás, a autora conclui o livro com tabelas muito objetivas sobre isso, que incluem ainda os resultados que se alcançam com cada metodologia. Isso vale ouro! Um estudo desse deveria ser obrigatório para todos os professores de ballet!

Outro aspecto que gostei no livro foi a preocupação da autora em relacionar os métodos com sua aplicação no Brasil. Embora não tenha se aprofundado muito no assunto, ela fez questão de informar quais os métodos são os mais utilizados no Brasil (Vaganova e RAD) e como eles vieram para cá.

Uma outra informação que me chamou atenção foi que há quem diga que o ballet cubano ainda é uma escola em formação. Contudo, por todas as características próprias e pelos resultados únicos dos bailarinos cubanos detalhadamente apresentados no livro, concluí que a escola cubana já é, sim, uma escola consagrada, até porque ela já está difundida em diversos países latinos, inclusive o Brasil. Mais do que isso, a escola cubana já conquistou prêmios no Concurso Internacional de Ballet de Varna, evidência da eficácia e reconhecimento do método.

Enfim, esse post já está gigante e vou parar por aqui, porque se eu for dizer tudo o que gostei nesse livro, vou ter de escrever um outro livro!

Comente o que achou!

Até mais!

Ficha ténica

Título: Ballet: métodos e corpos

Editora: Clube de Autores

Ano: 2022

Autora: Kamila Cidrim

Número de páginas: 115

ISBN: 9786500375473

Disponível em e-book

2 thoughts on “A diferença entre os métodos cubano, Vaganova e Royal (RAD)

  1. Muito interessante. Semore quis saber a diferença ja que cuando dançava faz um bom tempo atraz o teabalho da barra era feita um lado e outro. Me encanta o método Vaganova pois inclusive é quase toda uma coreografia nos exames Russos que assisto. Para mim houve grande evolução como o Metodo Vaganova.

  2. Que conteúdo incrível! Muito bom saber sobre esse assunto com riquezas de detalhes. Parabéns pelo conteúdo, sou leiga no assunto, minha filha faz ballet e há muitos anos fez com o método Vangova e agora está procurando uma nova escola e conhecemos uma que o método é cubano. Por isso decidi procurar saber a diferença. Gostei muito do conteúdo, deu pra mim entender um pouco sobre as diferenças entre cada um deles kkk. Muito obrigada!

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