Para gostar de ballet
Livro: “Balé: uma introdução para crianças”, de Laura Lee
Esse é mais um livro voltado ao público infantil que é capaz de encantar pessoas de qualquer idade. Balé: uma introdução para crianças – histórias, músicas e a magia da dança clássica é um livro que me deixou fascinada.
O conteúdo é riquíssimo: História do Ballet, posições básicas, enredos de ballets de repertório, biografias e muitas – MUITAS – curiosidades interessantes. Além disso, o livro vem acompanhado de um CD, com trechos das músicas de ballet mais aclamadas.
A seguir, conheça um pouco do conteúdo dessa obra encantadora.
O que são divertissements?
Eu já tinha lido sobre divertissements, mas nunca tinha compreendido exatamente o que eles são, até ler esse livro. De acordo com Balé: uma introdução para crianças, são cenas no ballet que se afastam da história principal para mostrar diferentes tipos de dança.
Você já se perguntou por que O Gato de Botas ou a Chapeuzinho Vermelho têm uma variação em A Bela Adormecida, ou por que há dança chinesa, russa, árabe e espanhola em O Quebra-Nozes?
Eu sempre me perguntei isso! Para mim, eram variações fora de contexto…ora, elas são mesmo! São as chamadas divertissements!
“Agora interrompemos essa história para um pouco de dança espanhola…”
As divertissements têm origem no século XV, época do surgimento do ballet, quando a dança clássica ainda era dançada por membros da corte francesa. No entanto, nesse período, as divertissments eram danças informais ou suítes instrumentais para entreter os membros da nobreza em momentos de descontração, como após o jantar.
Porém, no século XIX, as divertissements passaram a ser usadas não apenas como forma de diversão e entretenimento, mas também como um tempo estratégico para a transição de cenário e para os bailarinos do enredo principal trocarem de figurino.
Nunca mais vou estranhar O Gato de Botas. Agora, tudo faz sentido!
A diferença entre La Sylphide e Les sylphides
Quando dancei La Sylphide, via outras pessoas chamando o ballet de Les Sylphides, então achei que eu estava enganada e era esse o nome correto. Mas, anos mais tarde, descobri que tanto La Sylphide e Les Sylphides existem, mas são ballets muito diferentes!
A diferença básica: La Sylphide conta uma história; Les Sylphides, não.
Na história de La Sylphide, o jovem James sonha e se apaixona por uma fada, a sílfide. Porém, ele está noivo de Effie, por quem Gurn é apaixonado. No dia do casamento, quando James vai colocar a aliança no dedo de Effie, a sílfide aparece e toma o anel. Ela diz a James que, se ele se casar com outra, ela morrerá. Para evitar a tragédia, James abandona Effie no altar e corre atrás da sílfide. Na floresta encantada, James não consegue alcançar sua sílfide. Então, a bruxa Magde diz para ele colocar um lenço mágico sobre as asas da sílfide, de modo que assim elas cairiam e a fada não poderia fugir mais. Porém, quando James atira o lenço sobre as asas da sílfide, ela morre. Effie se casa com Gurn.
O ballet Les Sylphides, por outro lado, foi originalmente chamado de Chopiniana, visto que sua música foi composta por Frédéric Chopin. Na Rússia, esse nome foi mantido. Por muito tempo, Les Sylphides foi o ballet mais apresentado no mundo – era mais famoso do que O Lago dos Cisnes é hoje(!). O público britânico gostava tanto desse ballet que se criou uma tradição de ninguém perturbar a apresentação com aplausos antes do final. Se alguém aplaudisse, a plateia reclamava por silêncio. Só imagino esse pessoal no Festival de Joinville. Risos.
Agora, segue um quadro para nunca mais confundir um ballet com o outro:
La Sylphyde | Les Sylphydes |
Conta uma história | Evoca um estado de espírito |
1ª apresentação: Paris, 1832 | 1ª apresentação: Paris, 1909 |
Coreografia original: Filippo Taglioni | Coreografia original: Michel Fokine |
Bailarina inspiração: Marie Taglioni | Bailarina inspiração: Anna Pavlova |
Música original: Jean Schneitzhoeffer | Música original: Frédéric Chopin |
Primeiro ballet romântico | Primeiro ballet abstrato |
Curiosidade: 1º ballet nas sapatilhas de ponta | Curiosidade: originalmente denominado Chopiniana, assim chamado na Rússia até hoje |
Quem foi Leonid Massine?
Ao lado de Michel Fokine, no início do século XX, Leonid Massine (1896-1979) era considerado um dos melhores coreógrafos do mundo.
Leonid Massine foi contratado por Diaghilev para suceder Vaslav Nijinsky, que falecera em 1950. Massine foi o principal coreógrafo do Ballets Russes (Balé Russo), companhia de dança que teve grande influência no ballet contemporâneo.
Massine coreografou mais de 50 ballets, mas ficou mais conhecido pelos que incluíam dança folclórica e à caráter.
Massine também ficou conhecido por coreografar alguns filmes. Dentre eles, o grande sucesso Os sapatinhos vermelhos (sobre o qual já fizemos post no Instagram).
O mais curioso sobre Massine, porém, é que, apesar de ter sido um dos coreógrafos mais importantes de seu tempo, suas obras raramente são apresentadas nos dias de hoje.
Ballets de repertório pouco conhecidos
Um dos grandes méritos do livro Balé: uma introdução para crianças foi incluir ballets de repertório pouco conhecidos.
Todo mundo sabe de cor a história de O Lago dos Cisnes e Giselle, mas pouco se sabe sobre Pedro e o Lobo, por exemplo. A seguir, vou tentar resumir o enredo de alguns desses ballets “ignorados” que foram devidamente destacados no livro.
Rodeo
Nenhum ballet poderia ser mais americano que Rodeo. Esse ballet foi um grande sucesso da coreógrafa Agnes de Mille, que depois foi convidada a coreografar o musical da Broadway Oklahoma. Uma de suas ideias geniais foi inserir o story ballet em seus musicais (número de dança que ajudava a revelar o que os personagens estavam pensando ou sentindo).
Num rodeio no rancho Burnt, uma vaqueira se prepara para participar, mas os peões não deixam uma mulher competir.
Ela é secretamente apaixonada pelo chefe dos peões, que não se importa com ela. Pelo contrário, ele flerta com todas as moças que vêm assistir aos rodeios. Enciumada, a vaqueira vai embora e volta montada num cavalo selvagem, mas em vez de impressionar, as moças riem da cena e os rapazes a ignoram.
O chefe dos peões convida a linda filha do dono do rancho para o baile de sábado.
No baile, a vaqueira fica sentada sozinha. Ninguém a chama para dançar, até que um laçador diz que ela deveria se vestir melhor para chamar a atenção dos peões. Ele tenta ajeitar a aparência dela, mas, quando está pronta, ela vê o chefe dos peões com a filha do fazendeiro e sai correndo, aos prantos. O laçador a segue.
A vaqueira decide fazer algo novo: veste um vestido vermelho vibrante. Dessa vez, todos os homens se atraem por ela, até o chefe dos peões. Ele e o laçador disputam pela vaqueira, mas, no fim, ela resolve ficar com o laçador, que lhe demonstrou interesse mesmo quando ela usava calça.
O cavalinho corcunda
Esse é um dos primeiros ballets baseados em um poema infantil russo. Conhecido também por A donzela do czar, o poema já foi proibido na Rússia no século XIX por se entender que era uma história que ridicularizava a figura do czar, o que era considerado inadmissível.
Ivan é o filho caçula entre três irmãos. Apesar de ser gentil e alegre com eles, seus irmãos o consideram um bobo e nunca o deixam participar de nada.
Uma noite, o pai dos meninos manda os mais velhos vigiarem a plantação, porque alguém está roubando milho. Porém, eles bebem e pegam no sono.
Ivan os encontra no campo e vê um cavalo branco encantado cavalgando no céu. Ivan agarra sua cauda. O cavalo implora que Ivan o deixe ir, e ele liberta o animal, que o presenteia com três outros cavalos: dois grandes e bonitos, e um pequeno e corcunda. O cavalo branco diz a Ivan que ele pode fazer o que quiser com os cavalos grandes, mas o pequeno corcunda deve se seu para sempre.
Nesse momento, um pássaro de fogo voa e deixa cair uma pena. O cavalo branco diz a Ivan para não pegá-la, pois traz má sorte, mas ele não lhe dá ouvidos. Quando Ivan pega a pena, seus irmãos acordam e levam os cavalos grandes a um mercado em frente ao palácio do czar.
Ivan os encontra vendendo os cavalos ao próprio czar, que tem dificuldade de controlar seus novos cavalos. Ivan os doma facilmente, o que impressiona o czar e nomeia Ivan chefe dos estábulos reais. O camareiro do czar fica com muita inveja e decide se livrar de Ivan.
O camareiro acha a pena de Ivan do estábulo e mostra ao czar. O czar fica fascinado pela pena. Ele encosta a pena numa pintura de pássaros, e eles ganham vida; ele encosta a pena no quadro da Donzela Rainha, e ela também ganha vida, mas desaparece rapidamente.
O camareiro convence o czar de que somente Ivan pode encontrar a rainha (imaginando que assim ele nunca voltará). O czar, então, manda Ivan procurá-la. Ivan encontra a Donzela Rainha, e eles dançam e se apaixonam.
Quando o czar a vê, a pede em casamento. A Donzela Rainha, porém, joga seu anel no oceano e diz que só se casará com ele quando o anel for encontrado. O czar chama Ivan para realizar a tarefa. No fundo do oceano, peixes e seres mágicos da água ajudam Ivan a encontrar a joia.
A Donzela Rainha, que está apaixonada por Ivan, afirma que só se casará com o czar se ele rejuvenescer depois de pular num pote gigante de leite fervente. O czar aceita, mas manda Ivan ir primeiro. O cavalinho corcunda protege Ivan, que pula e se transforma em um lindo príncipe.
Então, o czar pula no pote. Porém, a mágica do cavalinho não funciona para ele, que nunca mais sai de lá.
Ivan, a Donzela Rainha e o cavalinho corcunda vivem felizes para sempre.
Petruska
Tal como O Quebra-Nozes e Coppélia, Petruska é uma história sobre brinquedos que ganham vida. Porém, ao contrário das outras, Petruska é uma história pesada e triste. Veja só:
Em 1830, São Petersburgo, acontece um teatro de marionetes. No espetáculo, há uma bailarina de corda, um mouro e um boneco de expressão triste, chamado Petruska. Mouro e Petruska são apaixonados pela bailarina e começam a lutar pelo seu amor.
Essa disputa não agrada Charlatão, o dono do espetáculo de marionetes. Depois da apresentação, ele prende Petruska em seu quarto. Petruska esmurra as paredes, mas ninguém o ouve.
A bailarina aparece no quarto. Petruska dá saltos de alegria, mas ela não se importa e vai embora. Petruska, desolado, se joga contra a parede com toda a força e abre um buraco. Petruska está livre!
A bailarina visita o mouro, que a seduz com uma dança e ela se acomoda no colo dele. Petruska aparece e luta mais uma vez com o mouro.
O mouro domina Petruska, que cai no chão. A polícia é chamada, mas o Charlatão ri e lembra que Petruska é apenas um fantoche. Quando o Charlatão retira os restos do boneco, a alma de Petruska se eleva acima do teatro, de onde ele brande punhos contra seu antigo tirano e contra todos os outros que não acreditaram que ele era de verdade.
Sobre a leitura
Apesar de ser direcionado a crianças de 11 anos, Balé: uma introdução para crianças é um livro cativante para qualquer idade. Nem estou falando das ilustrações, que também são adoráveis. A parte escrita – o conteúdo propriamente dito – mantém o leitor com os olhos brilhando do início ao fim.
O livro contém algumas informações técnicas básicas de dança clássica, como as posições dos braços e pés. Porém, eu diria que isso é o que menos importa. Não é um livro técnico. Não espere grandes explicações sobre tendus e arabesques.
Apesar de mencionar os nomes de alguns passos e traduzir os termos em francês, não é o foco do livro dar lições de passos de dança. Há apenas pinceladas, informações pontuais, que estão ali tão somente para impulsionar o interesse e o entendimento da criança sobre o mundo do ballet.
Desse modo, no meu entender, o verdadeiro objetivo do livro é registrar os diversos enredos de ballets de repertório, acrescentando um pouco de História do ballet, biografias e curiosidades entre um conto e outro.
Balé: uma introdução para crianças consegue a proeza de despertar no leitor o gosto por História, que é apresentada não como um compilado exaustivo de fatos e datas, mas como vários segredos a serem desvendados. Nomes importantes da História da Dança se tornam personagens esquisitos e admiráveis – humanos. Quem diria que o grande bailarino Vaslav Nijinsky “arrumava confusão aonde quer que fosse”?
A visão que o livro passa não é a de ícones perfeitos, mas de pessoas comuns, com qualidades e defeitos, que seguiram seus sonhos.
Como um bônus à introdução ao mundo do ballet, o livro vem acompanhado de um CD com 19 faixas. Entre uma página e outra, o leitor é convidado a interromper a leitura e ouvir a música do ballet de referência. Na sequência, o livro questiona o que se ouve: “você consegue imaginar o grande pássaro voando pelo palco ao ouvir a flauta?”
As músicas são apenas variações ou pequenos trechos de grandes ballets. A duração de cada música leva cerca de um minuto e meio. Ouvir o CD, portanto, é uma atividade que enriquece a leitura, sem torná-la cansativa e infinita.
Esse foi mais um livro que provou que livros infantis podem (e devem) ser de qualidade. Quando o livro realmente é bom, encanta todas as idades, independentemente do público-alvo; esse é o caso de Balé: uma introdução para crianças.
Imagino que mesmo profissionais experientes na área da dança se surpreenderiam com o conteúdo desse livro. Gostei e aprendi muito. Recomendo.
Ficha técnica
Título: Balé: uma introdução para crianças
Título original: A child’s introduction to ballet: the stories, music and magic of classical dance
Tradução: Luciano Vieira Machado e Adriana Schwartz
Editora: Panda Books
Ano: 2012
Autora: Laura Lee
Ilustradora: Meredith Hamilton
Número de páginas: 96
ISBN: 978-8578881405
Indisponível em e-book até o momento