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Quem é Ingrid Silva?

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Livro: “A Sapatilha que Mudou Meu Mundo”, de Ingrid Silva

Hoje o post é sobre nada mais, nada menos, que o livro mais vendido na categoria de Dança da Amazon Brasil!

A Sapatilha que Mudou meu Mundo é a autobiografia de Ingrid Silva, bailarina brasileira que atualmente é primeira bailarina na Dance Theatre of Harlem, em Nova Iorque.

Numa narrativa clara e direta, Ingrid relata a incrível trajetória que a tornou uma bailarina profissional numa companhia de dança renomada, e como o apoio da família foi essencial para sua ascensão na carreira.

Por ser uma mulher negra, a história de Ingrid Silva contém tristes episódios de racismo. Seus relatos colocam luz a um problema que ainda precisa ser enfrentado, especialmente no mundo do ballet.

Ingrid também revela um pouco de sua experiência com a maternidade.

Veja um breve resumo a seguir.

“Me descobri na dança”

Conquistar o posto de primeira bailarina na Dance Theatre of Harlem, cargo que hoje ocupa, é um sonho que nunca havia passado pela cabeça de Ingrid Silva.

Desde que Ingrid era pequena, sua mãe a matriculava em vários esportes (natação, futebol, basquete, ginástica artística, capoeira, artes marciais…), a fim de ampliar suas chances no futuro.

Assim, quando um vizinho comentou que haveria um teste de ballet na Vila Olímpia da Mangueira, a mãe de Ingrid não titubeou e a inscreveu.

Bailarina Ingrid Silva. Foto: Angela Zaremba

Ingrid tinha apenas 8 anos de idade quando passou no teste do Projeto Dançando Para Não Dançar. Na época, ela encarou o ballet apenas como mais uma atividade. Porém, aos poucos, Ingrid se encantou com a dança.

A dança foi entrando na minha vida de maneira orgânica. Nunca sonhei em ser bailarina, por isso sempre falo que a dança me escolheu“.

Aos 11 anos, Ingrid fez uma audição na Escola Estadual de Dança Maria Olenewa, onde dançou por 5 anos. Logo depois, ingressou no Centro de Movimento Deborah Colker e, aos 17 anos, foi estagiária na companhia do Grupo Corpo, em Belo Horizonte.

Como se vê, Ingrid levou a sério sua paixão à segunda vista pelo ballet e formou uma base sólida em renomadas escolas e companhias brasileiras.

Dance Theatre of Harlem

Quando tinha quase 18 anos de idade, Ingrid almejava uma oportunidade para dançar fora do país.

Foi Bethânia Gomes, a primeira brasileira a integrar a companhia do Dance Theatre of Harlem como primeira bailarina, quem sugeriu a Thereza Aguilar, a diretora do Projeto Dançando Para Não Dançar, que Ingrid enviasse um vídeo de audição para Nova Iorque.

Entre mais de 200 concorrentes, Ingrid foi selecionada para o curso de verão da Dance Theatre of Harlem.

Mas, uma vez em Nova Iorque, Ingrid ainda teve de passar por uma audição presencial com Arthur Mitchell, o fundador da companhia e primeiro afro-americano a assumir o posto de bailarino principal no New York City Ballet.

Ao ver que Ingrid dançava de cabeça baixa, muito tímida, Mitchell a corrigiu em tom de ameaça: “se você não levantar a cabeça e se impor, te mando de volta pro Brasil!”. Ingrid prontamente obedeceu e Mitchell aprovou. Ingrid passou na audição e ganhou uma bolsa de estudos na companhia.

Bailarinos Ingrid Silva e Francis Lawrence. Foto: Judy Tyrus

Resiliência, foco e dedicação

Quem vê a história profissional de Ingrid Silva pode ter a falsa impressão de que bastou o talento e a sorte para ela chegar onde chegou. Mas, na verdade, como qualquer outra pessoa, Ingrid teve muitos altos e baixos na carreira.

Insegurança

Houve momentos em que Ingrid pensou em desistir.

Primeiro, viver num país diferente, sem falar o idioma local, já era um desafio enorme. Segundo, Nova Iorque é uma cidade caríssima. Mesmo com o salário da companhia, de 300 dólares por semana, o dinheiro era pouco, considerando os gastos básicos com comida, transporte, moradia e os gastos com o ballet. Terceiro, na época que Ingrid passou a residir fora, a comunicação com a família dependia de um telefone público ou do MSN (quem é das antigas, sabe).

Com todos esses fatores, somados ao fato de que Ingrid tinha poucos amigos na companhia e se sentia estagnada na carreira, Ingrid resolveu desabafar numa ligação à sua mãe: disse que queria retornar ao Brasil. Após uma breve pausa e com firmeza na voz, sua mãe respondeu: “seja forte”. Com essa dose de coragem, Ingrid mudou sua trajetória.

“Sou grata por essa ligação todos os dias”.

Pressão psicológica

Em uma das passagens no livro, Ingrid narra a pressão psicológica que sofreu para permanecer na companhia jovem.

Quando Arthur Mitchell deixou o cargo de diretor na Dance Theatre of Harlem, Virginia Johnson, que assumiu a direção, demitiu vários bailarinos. Apenas 6 permaneceram, sendo que 3 deles – Ingrid inclusa – estavam em fase de teste. Ou seja, também poderiam ser mandados embora.

Ingrid passou o verão todo fazendo aulas, a fim de demonstrar à nova diretora que ela queria muito estar ali. Um dia, às duas da madrugada, Ingrid foi parar no hospital, em função de uma crise nervosa. No dia seguinte, se decidiria a contratação. Ingrid acabou recontratada, para seu alívio.

“Achei que fosse perder tudo (…). Jamais vou esquecer essa experiência”.

Lesão

Outra passagem marcante no livro é o relato de quando Ingrid sofreu uma lesão nas costas. Certa vez, durante um ensaio de pas de deux, a coreógrafa Francesca Harper pediu que Ingrid se jogasse nos braços do seu par.

Ingrid atendeu ao pedido. Porém, seu par, além de inexperiente, também estava desconcentrado. Quando Ingrid se jogou, ele estava se olhando no espelho. Ingrid caiu no chão sentada, e machucou as costas. Ficou 2 meses sem dançar, fazendo fisioterapia.

Felizmente, a lesão foi passageira, e Ingrid aprendeu uma lição:

Percebi que tinha muito a agradecer e pouco a lamentar. Reclamamos demais às vezes, meu acidente talvez tenha sido um sinal“.

Racismo

Lamentavelmente, a história de Ingrid é bastante atrelada a episódios de racismo. Na escola, por exemplo, Ingrid sofria preconceito pelo cabelo crespo e pelo bumbum avantajado; levava esses episódios à mãe, que a fazia denunciar para a professora e exigir que os outros colegas a tratassem com respeito. Nesse sentido, apesar de sofrer discriminação, aprendeu a nunca se deixar abalar. Ingrid teve a sorte de aprender em casa a não internalizar eventos ruins.

O cabelo

Um fato interessante que Ingrid narra no livro é que o racismo estrutural nunca a havia permitido usar seu cabelo de forma natural; desde criança, sempre fez permanente. Porém, quando chegou a Nova Iorque, já adulta, Ingrid começou a se questionar por que suas colegas negras alisavam o cabelo ou usavam perucas.

Seguindo a tendência local, Ingrid também alisava o cabelo todo mês, mas esse hábito tinha um custo muito alto. Então, com o apoio do marido, Ingrid resolver deixar seu cabelo natural. E, ao ver o resultado, se sentiu renascer.

Sua aparência é sua identidade. Siga sua jornada e se ame“.

Bailarina Ingrid Silva. Foto: Alex Logaiski

Representatividade

Uma das cenas mais marcantes na vida de Ingrid Silva foi ganhar sua primeira boneca Barbie negra.

Quando era criança, estava acostumada a ver apenas Barbies brancas e loiras. Aliás, suas referências na televisão, revistas e novelas sempre foram de mulheres brancas. Ingrid se perguntava por que não havia uma boneca negra, ou até se não era normal ser negra.

Ingrid só teve a real dimensão do impacto disso na sua vida quando tinha 19 anos. Num Natal em Nova Iorque, longe da família, uma amiga lhe deu de presente uma Barbie negra. Ingrid ficou maravilhada. Consciente do quanto aquilo representava, Ingrid guardou a boneca para dar de presente para sua filha. Com sorte, ela aprenderia seu valor e que pertence ao espaço que ocupa.

Holiday Barbie, 2008.

Racismo na dança

O ambiente da dança também é contaminado pelo racismo. Ingrid deixa claro isso no livro.

Às vezes, o racismo que ocorre fora de sala de aula é trazido para dentro do ballet:

Não raro, nós, professores de balé, durante as aulas, ouvimos de algumas crianças que elas não gostam da cor de sua pele, que não gostam de ser negras“.*

Outras vezes, porém, o racismo ocorre dentro da sala de ballet – o que é ainda pior. Conforme relatado pela autora, há professores, por exemplo, que perguntam a alunos negros se eles não querem fazer aula de dança contemporânea, jazz ou hip-hop, por não enxergarem o negro como um bailarino clássico.

O mundo da dança é recheado de exigências que buscam uma perfeição inalcançável: saltos cada vez mais altos, piruetas em número cada vez maior e com mais velocidade, pas de deux que arrancam lágrimas do público (…).

Somado a isso, há uma rotina diária de se observar por inteiro no espelho, onde se analisa cada imperfeição do corpo: um pé que poderia ser mais curvado, uma perna que poderia ser mais alta, um braço que poderia ser mais longo (…). Toda essa realidade já reivindica muito do emocional de um bailarino.

Imagine agora quando um bailarina não tem o apoio nem de seu professor, que deveria ser seu principal motivador, tão somente porque ela é negra: destroem-se sonhos e se desperdiçam grandes talentos antes mesmo de eles florescerem.

Essa realidade cruel e injusta precisa mudar.

*veja na entrevista com Kamila Cidrim um relato parecido com esse.

A sapatilha que mudou o mundo

Um problema que Ingrid Silva enfrentou foram as sapatilhas e meias-calças cor-de-rosa. Historicamente, esses itens essenciais do ballet foram feitos em cor-de-rosa por ser a tonalidade mais próxima da pele branca, europeia. A ideia era a de que as pernas e pés das bailarinas fossem visualmente um prolongamento do corpo.

Ocorre que, tal como outras milhares de bailarinas hoje, Ingrid é uma mulher de cor negra retinta e, até 2018, não encontrava sapatilhas e meias no tom de sua pele.

Na Dance Theatre of Harlem, havia uma tradição de se pintar as meias e sapatilhas no tom correto da pele, desde quando a bailarina Aminah L. Ahmad, na década de 1970, o fez. Apesar de ser revolucionário, esse costume estava longe de efetivamente solucionar o problema do racismo na dança. E, do ponto de vista prático, Ingrid dispendia uma grande quantidade de tempo e dinheiro na pintura de meias e sapatilhas, que são, afinal, elementos básicos na vida de uma bailarina.

Então, Ingrid resolveu dar um basta. Entrou em contato com a fabricante de suas sapatilhas, Freed of London, e questionou se poderiam produzir um par de sapatilhas no tom de sua pele. A resposta foi positiva! Um ano depois, Ingrid conquistou as tão almejadas sapatilhas – não apenas para si, mas para todas as bailarinas de pele negra.

Um par das sapatilhas que Ingrid pintava se encontra atualmente no Museu Nacional de Arte Africana Smithsonian, nos Estados Unidos, como símbolo de um passado de exclusão e discriminação.

Sapatilha pintada de Ingrid Silva, em exibição no Smithsonian National Museum of African American History and Culture.

Sobre a leitura

Li e reli. Essa autobiografia curta, com menos de 200 páginas, é uma delícia de leitura.

Ingrid Silva escreve de um jeito que faz a gente se sentir sua amiga. Numa linguagem sincera, clara e informal, parece que ela se incorpora na frente do leitor e conta a história de boa parte de sua vida tomando um café, bem descontraída.

As páginas são amareladas, confortáveis para a leitura. Há belas fotografias nas páginas do meio do livro, algumas do arquivo pessoal de Ingrid, outras das várias revistas das quais ela já foi capa.

A biografia não é totalmente linear. Embora ela inicie o relato de sua história contando suas origens, há várias idas e vindas nos demais capítulos, especialmente quando se trata de sua vida profissional.

Discrição

Uma informação de que senti falta foi sobre como Ingrid conheceu seu esposo. Ela menciona brevemente que estava noiva antes de ir a Nova Iorque, mas que esse noivado não teve êxito. Depois, ao falar do marido, sempre o cita como uma pessoa que lhe deu muita força, carinho e apoio. Como também tenho um maridão assim (graças a Deus), fiquei curiosa por mais detalhes desse casal, o qual, pelo pouco que notei, parece muito fofo.

Essa falta de informação talvez tenha sido proposital: Ingrid se descreve várias vezes no livro como uma pessoa muito reservada, mesmo sendo hoje uma figura pública. Imagino que Ingrid, ao escrever sua história, não achou que seria prudente revelar muito sobre seu relacionamento com o marido, o que de certa forma entendo perfeitamente. Por outro lado, acho que ela poderia ter revelado um pouco mais, já que se trata de uma biografia. Também tem o fato de que sou uma pessoa romântica, e adoro histórias de casais felizes.

Responsabilidade

Apesar do laconismo em alguns aspectos, em outros Ingrid é bastante eloquente. Um deles é sobre o racismo. Como esse é um problema que persiste em ocorrer, Ingrid denuncia os absurdos e explica por que esse tipo de atitude é intolerável – seja no ballet ou fora dele. Ela chega a afirmar que está cansada de ter de que dizer tudo isso, mas que se sente na obrigação – como é obrigação de toda a sociedade – de acabar com o racismo.

Maternidade

Ingrid Silva grávida posa para a Vogue Brasil. Foto: Henrique Gendre

Outro tema que Ingrid explora com mais profundidade é a maternidade. Ingrid relata algumas de suas preocupações, como da vez que estava com 35 semanas de gestação (8 meses, para leigos) e, por estar no meio da pandemia, teve de ficar em casa, sem fazer aulas presenciais na companhia. Como muitas mães, Ingrid sentia medo de a maternidade significar o fim de sua carreira.

Ainda sobre a maternidade, me interessou pessoalmente seu relato do parto, já que eu mesma estou grávida agora. Achei algumas passagens muito cômicas, talvez pelo fato de ter me identificado com ela.

Por outro lado, fiquei um tanto apreensiva em perceber o quanto ainda falta de informação às pessoas. Durante o relato do parto, Ingrid revela que em muitos momentos não sabia exatamente o que estava acontecendo. Vejo esse tipo de afirmação com certa frequência. Parece que os médicos não se dão ao trabalho de informar suas gestantes, o que deveria acontecer durante todo o pré-natal e mesmo no parto.

Também é curioso como atualmente, com tantos livros e internet, poucas mães busquem informação de qualidade. Normalmente, o pouco que se fala sobre parto são relatos de dor e sofrimento, e que, na maioria das vezes, teriam sido experiências melhores se a mulher tivesse tido informação adequada na gravidez. (ok, desculpem o desabafo. Mas fica minha dica de livro aqui, mulheres: Parto Ativo)

Retribuição

Voltando à Ingrid Silva, fiquei admirada com sua postura. Ingrid é uma mulher forte e muito determinada. É encantador ver que uma menina que sequer se interessava por ballet se tornou a primeira bailarina de uma grande companhia. Mais do que isso, é inspirador como a dança lhe despertou a vontade de realizar trabalhos sociais, de modo a oferecer oportunidades a pessoas que passaram pelas mesmas dificuldades que ela passou.

A Sapatilha

Por fim, foi com grande sagacidade que o título do livro foi colocado apenas no último capítulo. Isso porque é preciso conhecer a história de Ingrid para se entender a dimensão do que A Sapatilha representa. De fato, a sapatilha que mudou o mundo de Ingrid também simboliza a transformação da dança, com mais diversidade, inclusão, empatia e respeito. Que tenhamos a coragem de Ingrid Silva para seguir na luta!

Ficha técnica

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