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Descobrindo a Psicologia da Dança

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Livro: “Temas em Psicologia da Dança: ensaios acadêmicos”, organizado por Maria Cristina Lopes

O livro que vos apresento hoje é muito especial para mim, por dois motivos: 1) uma das autoras é uma querida amiga que fiz no ballet, Kamile Nienkotter de Paula Souza ♥; e 2) é um livro de tema inédito no Brasil, que adquiri em primeira mão.

Temas em Psicologia da Dança: ensaios acadêmicos é uma obra fruto da primeira turma do Curso de Psicologia da Dança, criado pela psicóloga e professora Maria Cristina Lopes. O livro se divide em 12 capítulos, que na realidade são 12 artigos científicos produzidos pelos alunos do curso. Embora explorem assuntos variados, todos esses artigos têm um ponto em comum: a Psicologia da Dança.

Como já adiantei, a Psicologia da Dança ainda é um ramo novo da Psicologia, sobretudo no Brasil. As produções nessa área são encontradas principalmente em inglês, de modo que esse livro é a primeira publicação em língua portuguesa no país (!!) – um grande primeiro passo para se difundir e aprofundar os estudos sobre esse tema fundamental para a dança por aqui.

A seguir, vou apresentar brevemente os assuntos abordados no livro.

Vamos lá!

Dança e saúde

O primeiro capítulo faz uma relação entre a saúde, a dança e a psicologia. A autora, Marcela Mendes Nunes, parte do panorama legal (que é confortável para mim) do conceito de saúde: o que é saúde de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o que é saúde de acordo com a Constituição Brasileira. Então, ela apresenta os chamados recursos terapêuticos da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PICS) do Sistema Único de Saúde (SUS), na qual a dança está inserida.

A partir daí, a autora aponta algumas contribuições da dança para o bem-estar das pessoas; dentre elas, o enfrentamento de diversos problemas de saúde. Nesse sentido, citam-se prevenir o excesso de peso, reduzir estresse e ansiedade e até o alívio de dor em doenças autoimunes.

Um estudo mencionado no artigo que achei bem interessante foi o da fisioterapeuta e bailarina Irmgard Bartenieff, que trabalhou num hospital com pacientes de poliomielite. Ela percebeu que exercícios com repetições individualizadas não melhoravam a saúde de seus pacientes. Então, ela resolveu arriscar: inspirada em Laban e Whitehouse, ela usou movimentos contínuos como forma de tratamento, o que trouxe resultados positivos. Ou seja, a dança melhorou o estado de saúde dos seus pacientes, já que trabalha com o raciocínio, atenção, memória, imaginação e a atividade física. Incrível!

O método da entrevista na Psicologia da Dança

O segundo capítulo é escrito pela organizadora do livro, Maria Cristina Lopes. No meu entender, seu texto é direcionado a psicólogos que desejam atuar na área da Psicologia da Dança. Isso porque, nesse artigo, a autora defende a entrevista como o método de investigação apropriado para ser usado na área de Psicologia da Dança.

Apesar de eu não ser o público-alvo do texto (não sou psicóloga), achei a leitura muito interessante. A autora explica que, diante das poucas pesquisas ainda disponíveis na área de Psicologia da Dança, a entrevista é o método mais adequado a ser usado pelo psicólogo. Mais do que isso, a entrevista é uma forma de investigação mais ampla e flexível, se comparado com as outras, o que permite uma análise técnica mais aprofundada.

O que mais me atraiu nesse artigo, porém, foi a parte em que a autora detalhou as características do método: o que qualifica um entrevistador, como se dá o preparo do formulário da entrevista e as qualidades que o entrevistador precisa ter. Tudo isso é uma verdadeira aula de como se faz uma boa entrevista, que entendi ser uma contribuição muito valiosa aos profissionais que fazem a leitura desse artigo e desejam trabalhar com a Psicologia da Dança.

Inclusão no ballet clássico

Esse capítulo foi um dos meus preferidos (senão o preferido). Kamile Nienkotter de Paula Souza escreveu sobre a necessidade de inclusão no ballet clássico.

Primeiro, a autora faz um panorama histórico de como surgiu a dança e como o entendimento de corpo foi evoluindo em cada período. Por exemplo, se na Idade Média o corpo era desprezado, condenado, considerado fonte do pecado, no Renascimento o corpo passou a ser apreciado como fonte de beleza. Em seguida, a autora aborda o movimento, sobre como ele pode ter significados e ser forma de expressão.

Então, a autora inicia o debate sobre o ballet. Historicamente e até hoje, o ballet clássico busca a perfeição estética e técnica, afastando quem não se enquadra no padrão. Ora, se o entendimento de dança e corpo evoluíram, por que o ballet ainda exclui – ou seja, permanece parado no tempo? Cada corpo tem sua singularidade, que merece e deve ser valorizada. Em vez de buscar um corpo ideal, o ballet deveria ser usado como ferramenta para o bem-estar de todos os indivíduos.

Quando se trata de pessoas com deficiência, as barreiras existentes na dança são principalmente atitudinais. Ou seja, o preconceito, inclusive dos professores, é o maior obstáculo. É preciso haver uma percepção de que a limitação pode virar uma potencialidade. Aliás, é desafiando o limite que se desenvolve a verdadeira habilidade de cada bailarino. Os profissionais da dança devem ir além do mecânico e perfeito e agir como verdadeiros educadores, oferecendo oportunidades justas de conhecimento. Nesse sentido, a autora propõe que os festivais de dança também devem fomentar novas visões sobre a estética da dança.

Vale o destaque:

A única característica que iguala as pessoas é a sua diferença; o que as caracteriza é justamente a sua singularidade.

A escolha profissional pela dança

Quem é ou já foi adolescente, sabe: escolher a profissão que se vai seguir não é fácil. Não bastasse a passagem da infância para a fase adulta, com vontades que ora são infantis e ora mais maduras, o adolescente ainda precisa lidar com as transformações do próprio corpo e a escolha da profissão, que pode ter impacto por toda a vida. Somado a isso, os que são bailarinos precisam escolher entre seguir com a dança ou tomar um novo rumo.

Segundo Andréia Cardoso Borges Silva, para enfrentar todos os dilemas da adolescência – ser criança ou adulto, ser bailarino ou ser advogado – o adolescente precisa, antes de tudo, ter autoconhecimento. Isso não é um processo simples, mas que pode ser construído com o auxílio dos pais e de um orientador profissional.

Nessa fase de mudança, teme-se fazer a escolha errada, visto que cada escolha implica numa renúncia. Desse modo, a orientação vocacional profissional, realizada por um bom psicólogo, pode facilitar esse processo, na medida em que ele auxilia o adolescente a descobrir a própria identidade, o que diminui as dúvidas e a ansiedade, que são inerentes a essa fase. A ajuda profissional, portanto, é uma forma de amparo a ser considerado, especialmente aos jovens bailarinos.

Síndrome de Down e a dança

Na mesma linha do artigo que tratou de inclusão, a autora Andreia Souza Reis estreita um pouco mais essa perspectiva e volta a atenção às pessoas com Síndrome de Down. Essa síndrome causa alguns problemas de saúde, como rigidez muscular e desenvolvimento motor mais lento, o que se traduz em dificuldade de movimentação do corpo.

Contudo, há pesquisas que evidenciam o benefício da dança no enfrentamento dessas limitações: pessoas com Síndrome de Down que praticam a dança apresentam menos resistência no tônus muscular, desenvolvem a criatividade corporal, a expressividade, a linguagem e a coordenação motora. Nesse sentido, a chamada dançaterapia é uma metodologia que permite ao indivíduo com a síndrome realizar movimentos que estimulam o desenvolvimento do corpo da mente. Em outras palavras, a dançaterapia é uma forma de aprimorar a qualidade de vida  de todas as pessoas, inclusiva das pessoas com Síndrome de Down.

Relações humanas e a dança

O artigo de Amanda Oliveira Duarte me fez pensar muito no filme Vem Dançar, com o Antonio Banderas*. Isso porque ele trata dos benefícios que a dança promove nas relações humanas, seja entre professor e aluno, seja entre alunos. No filme (que é inspirado numa história real), o professor quer ensinar dança de salão a alunos rejeitados, que a princípio não demonstram interesse em aprender.

Mas, tal como explorado no artigo, o professor busca entender como seus alunos veem a dança, e a partir daí estabelece uma relação verdadeira e de confiança entre eles. Quando seus alunos passam a dançar, também aprendem valores de respeito, convivência em grupo e empatia. Ao final, o crescimento dos alunos é percebido muito além da técnica de dança: eles se tornam cidadãos confiantes, respeitosos e, acima, de tudo, felizes.

*comente se você concorda xD

Autoeficácia na dança

O artigo de Isabel Martins Akerman trata da autoeficácia, conceito desenvolvido por Albert Bandura. No meu entendimento, é uma ideia muito semelhante ao mindset de crescimento*, de Carol Dweck. Com efeito, a autoeficácia é a maneira como um indivíduo enxerga suas próprias capacidades. Dessa forma, o bailarino que acredita que pode melhorar de fato melhora, mesmo em situações adversas.

Isso acontece porque, quando há a crença de que é possível vencer um desafio, o bailarino compreende que é o esforço que o fará alcançar o objetivo almejado. Em outras palavras, ele não se considera incapaz de realizar nada, apenas precisa aprender e perseverar para conquistar o que for.

É interessante pontuar que isso não é papinho de coach: existe, sim, evidência científica de que a autoeficácia impacta no sucesso do indivíduo. Um dos estudos, realizado na Finlândia, está descrito com detalhes no artigo.

Sensacional o que o pensamento é capaz de fazer por nós mesmos.

*Veja um vídeo sobre o assunto aqui.

A dança no ensino básico

Nesse ótimo artigo, a autora Nathalya Carneiro analisa a dança no contexto do ensino regular básico. De início, ela destaca que a dança é um meio de autoconhecimento, em que a criança cria consciência sobre seus limites, suas possibilidades, seus sentimentos e vulnerabilidades, questões que interferem na aprendizagem. Isso porque, quanto maior o conhecimento que se tem sobre si mesmo, maior a confiança em aprender.

Feita essa afirmação essencial, a autora apresenta a realidade do ensino da dança no contexto escolar hoje: em geral são cursos extracurriculares, em que não há apoio aos professores; a dança é vista pela escola como uma recreação e sem qualquer valor na formação dos alunos. Muitas vezes, não há espaço adequado para se realizar as atividades e nem há determinação clara sobre o uso de uniformes de dança. O que se questiona aqui, então, é a necessidade de inserção real da dança no contexto escolar.

A dança deve ser encarada com seriedade. Já existe reconhecimento legal sobre a importância da atividade, visto que os Parâmetros Curriculares Nacionais destacam o papel fundamental da dança na educação. Assim, é preciso abandonar a ideia de que corpo e mente devem ser trabalhados separadamente. Pelo contrário, os exercícios intelectual e físico se complementam. Valorizar a dança na escola significa, portanto, proporcionar a formação integral dos estudantes.

A dança em Belém do Pará

Esse artigo, escrito por Jaime Augusto Duarte Amaral, também ressalta a dança como uma disciplina essencial na formação cultural dos indivíduos. Contudo, o autor concentra sua pesquisa no ensino da dança na cidade de Belém do Pará. Segundo ele, a cidade forma bons bailarinos, mas estes não encontram mercado de trabalho na região e acabam migrando para outras localidades. Nesse sentido, o autor também lamenta a inexistência de uma companhia de dança própria da cidade.

O autor enfatiza ainda a importância da faculdade de dança (que chegou tardiamente em Belém, segundo ele). Muito mais do que dançar, a licenciatura em dança implica na discussão, na pesquisa, no estudo histórico da dança. Outro aspecto relevante dessa formação são as disciplinas de pedagogia e psicologia.

Na minha opinião, esse é o maior diferencial da faculdade de dança; muitas vezes os professores dominam a técnica e as metodologias de dança, mas negligenciam a forma de transmitir esse conhecimento. Como aluna de ballet, achei louvável o autor apontar os diferenciais da formação numa faculdade de dança, tão subestimados por aí.

Psicologia da dança

No artigo de Tainara Almeida, a autora pontua situações que justificam a atuação do psicólogo no contexto da dança. Uma delas é a ansiedade. Antes de um espetáculo ou de uma mostra competitiva, é natural que a ansiedade fique elevada. No entanto, se a ansiedade é patológica, pode impactar diretamente no desempenho do bailarino. Com efeito, o aumento do nível de ansiedade prejudica a chamada memória de trabalho, que é aquela ligada à área do cérebro responsável pela concentração.

Outra situação em que a intervenção de um psicólogo pode ser necessária diz respeito à dor. Bailarinos profissionais, tal como atletas de alto nível, tendem a conviver com a dor física. No entanto, quando a dor é negligenciada, pode desencadear outros problemas, como perda de sono, perda de apetite e depressão. Desse modo, é interessante que o bailarino tenha um acompanhamento profissional que o auxilie a controlar a dor de forma inteligente, sem comprometer sua saúde física e mental.

Por fim, a motivação, seja interna ou externa, também é um elemento que pode ser trabalhado com um psicólogo, de modo a desenvolver a autoconfiança e a autoeficácia dos bailarinos.

Respiração consciente

Nesse artigo foi inevitável pensar na minha própria respiração durante a leitura. A autora, Rebeca Tonkovitch, defende a prática da respiração consciente como ferramenta para padronizar os movimentos do corpo e acalmar a mente.

Basicamente, a respiração não consciente causa um gasto de energia excessivo no corpo, o que pode acarretar um desequilíbrio físico-emocional. Por outro lado, quando a respiração é consciente, o corpo aprende a sentir o momento e dá sentido aos movimentos e emoções.

No meu entender, a mensagem que se passa com esse estudo é que essa respiração consciente, quando aplicada à dança, tende a transformar o bailarino; ele não apenas desenvolve o controle do corpo e da mente como também transmite expressividade ao dançar.

Recomendo muito o exercício de respiração proposto nesse artigo.

Liderança no processo coreográfico

Tais Brasil transformou em artigo suas observações a respeito da criação de uma coreografia na Companhia Urbana de Dança no Rio de Janeiro.

Num dado momento, a autora constatou o exercício da liderança fluida criativa, caracterizada pela horizontalidade (criação conjunta), comunicação predominantemente gestual, entrega e maior contato com as emoções, conexão com o momento presente e o respeito pelas limitações e erros dos participantes.

Em outra circunstância, a autora identificou a liderança técnica-criativa, que é gerada de forma verticalizada (criação unilateral), transmitida de maneira impositiva e explicativa, em que predominam a limpeza e correção dos passos e tem por finalidade o aperfeiçoamento técnico e a eliminação de erros cometidos pelos bailarinos.

Por fim, a autora verificou que a forma viva do espetáculo da Cia. Urbana de Dança só teve esse resultado em razão do ambiente acolhedor da companhia, que permite aos bailarinos criarem suas próprias formas de expressar a arte.

Sobre a leitura

O livro está longe de ser considerado grande – são pouco mais de 130 páginas – mas a quantidade de informação é enorme. Não achei que fosse demorar para concluir o livro, mas estava redondamente enganada: foram muitas horas de leitura e anotações!

Por ser uma coletânea de ensaios acadêmicos, a leitura às vezes pode ser um pouco cansativa, especialmente quando se perdem alguns parágrafos informando o que será discutido em vez de ir direto ao ponto. No entanto, tive paciência e prossegui determinada, afinal são artigos científicos e, como tais, devem obedecer a determinadas regras formais. Não dá para esperar que seja prazeroso como ler um romance; é um livro de estudos.

Não obstante, os capítulos que mais apreciei foram os de números 02 (sobre entrevista), 03 (sobre inclusão), e 08 (sobre dança no ensino básico). Além dos temas despertarem meu interesse pessoal, considerei que a leitura foi mais fluida;  são artigos muito bem escritos, tanto do ponto de vista da gramática como da construção de argumentos. Apontamentos e críticas bem embasados, apresentação de problemas concretos e propositura de soluções. Enfim, redondinhos.

Não que os outros artigos também não contenham temas interessantes. De todos eles se extraem estudos valiosos. Mas, não foram todos que me encantaram tanto, fosse pelo assunto, fosse porque me lembraram a minha primeira monografia, na época de faculdade: ambiciosa, mas muito crua. Além disso, estranhei algumas conclusões, que ora eram muito vagas, ora traziam informações novas, que não haviam sido trabalhadas no corpo do texto.

Apesar disso, no geral, foi uma leitura proveitosa e enriquecedora.

Esse certamente é o primeiro livro de muitos que virão sobre Psicologia da Dança. Como em qualquer área, há muito o que se estudar e desenvolver. O que temos agora, porém, é uma grande contribuição de profissionais que se desafiaram num tema novo. A busca por novos conhecimentos é uma forma de valorizar a dança no país. E isso, meus amigos, não é pouco.

Ficha técnica

Título: Temas em psicologia da dança: ensaios acadêmicos

Editora: Atena

Ano: 2022

Organizadora: Maria Cristina Lopes

Autores: Maria Cristina Lopes, Marcela Mendes Nunes, Kamile Nienkotter de Paula Souza, Andréia Cardoso Borges Silva, Andreia Souza Reis, Amanda Oliveira Duarte, Isabel Martins Akerman, Nathalya Carneiro, Jaime Augusto Duarte Amaral, Tainara Almeida, Rebeca Tonkovitch e Tais Brasil.

Número de páginas: 138

ISBN 978-65-5983-915-5

Disponível em e-book

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