Livros

O menino que queria dançar ballet

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Livro: “Billy Elliot”, de Melvin Burgess

Quem já assistiu a Billy Elliot no cinema já sabe: é uma história enternecedora.

O livro, adaptado do roteiro do filme, não poderia ser diferente. Aliás, sabe aquela máxima “o livro é melhor que o filme”? Pois bem, depois dessa leitura, acrescento ao dito popular que “o livro é melhor que o filme até quando o filme veio antes“!

Veja a seguir por quê.

O enredo

Billy é um menino que vive na cidade fictícia de Everington, na Inglaterra, junto com seu pai, irmão e avó. Sua mãe, Sarah, falecida há dois anos, deixou com ele apenas uma carta, que, entre outras coisas, aconselhou:

Seja sempre você mesmo.

Essa frase poderia resumir a mensagem do livro. Isso porque, embora o pai de Billy incentive o filho a lutar boxe (que era o que pai e avô faziam), pagando a muito custo pelas aulas dele, Billy não demonstra nenhum interesse em lutar no ringue.

Ocorre que a greve dos mineiros obrigou as aulas de boxe e as aulas de ballet a acontecerem no mesmo espaço. E esse fato traçou o destino de Billy.

Billy estava frustrado porque havia acabado de perder uma luta. Encarregado de entregar as chaves do local à professora de ballet, Billy acabou observando a aula de dança que estava acontecendo. Desafiado por uma menina, Billy arriscou alguns movimentos. A professora de ballet, então, entregou a Billy um par de sapatilhas. Ao final da aula, a professora o convidou a voltar na semana seguinte.

E, assim, Billy secretamente trocou o ringue pela barra e foi fazer o que gosta: dançar.

Os personagens

Billy

O protagonista. Um menino alegre, que sente muito a falta da mãe e que descobre o gosto – e o talento – para o ballet. Billy é engraçado, determinado e de coração enorme. Billy não se cala diante de situações de injustiça e aproveita ao máximo uma boa música. Sem dúvida, é um personagem que cativa desde as primeiras páginas.

Uma das cenas mais gostosas do livro é a que ele dança ballet com sua avó. Talvez seja a cena mais bonita do livro, por refletir o amor que ambos sentem pela dança.

Jackie

o pai de Billy trabalhou a vida inteira como mineiro de carvão. Na sua realidade dura, acredita que a melhor maneira de sobreviver é sabendo como como se defender – daí a razão pela qual ele coloca Billy nas aulas de boxe. Jackie é um homem simples, de poucas palavras e que sente o peso da responsabilidade de cuidar da sogra e dos filhos num momento em que a greve o deixa sem dinheiro. Apesar da dor que ainda sente pela perda da esposa e das dificuldades financeiras, Jackie não mede esforços para ver a felicidade da família – e, em especial, a de Billy.

Tony

O irmão mais velho de Billy é um jovem adulto indignado com as injustiças sociais. Tony é impulsivo, revoltado e movimenta a comunidade por mudanças. Tony é impaciente com o pai (que não quer se envolver na greve) por acreditar que Jackie não sente a mesma revolta que ele, e tampouco tem paciência com Billy, que pega suas coisas escondido e não tem seu ímpeto agressivo. Apesar disso, Tony se revela uma boa pessoa que apenas não sabe lidar com os problemas da melhor maneira.

Nan

A avó de Billy é uma senhora que sofre de demência. Embora à primeira vista pareça que ela não tem consciência do que diz ou faz, a realidade é que ela entende muito bem o que acontece à sua volta – talvez até melhor do que os outros na casa onde vive. Nan compartilha com Billy o sentimento de amor pela dança, e sempre repete que poderia ter sido uma grande bailarina. Embora ela não diga expressamente, fica claro o apoio dela à escolha do neto pelo ballet.

Sarah

A mãe de Billy, apesar de já ser falecida, tem um grande papel na história. É por causa dela que Mrs. Wilkinson decide ajudar Billy, é por ela que Jackie muda de opinião e é por ela que toda a comunidade se convence de que Billy merece uma chance. Fica evidente, pelo olhar de todos os personagens, de que Sarah foi uma mãe bondosa, uma mulher batalhadora e uma esposa amável.

Mrs. Wilkinson

A professora de ballet não é exatamente aquele estereótipo que se costuma ver em outros filmes/livros. Mrs. Wilkinson é uma mulher direta e descontraída. Casada com um marido viciado, ela mantém a boa casa e a família com suas aulas de ballet. É ela quem chama Billy para fazer as aulas, e é ela quem o incentiva a fazer uma audição para a Royal Ballet School.

Michael

O melhor amigo de Billy é um menino LGBT. Ele dá todo o apoio a Billy sempre que ele precisa, mas secretamente também tem uma pequena paixão por ele. É um personagem muito interessante na história, já que o tema do livro gira em torno do fato de que dançar ballet não define a sexualidade de ninguém. Michael é um menino querido e um amigo fiel. Uma companhia agradável durante toda a leitura.

O contexto histórico

A história se passa na década de 1980, momento em que a primeira-ministra do Reino Unido, Margareth Thatcher, querendo acabar com as interferências políticas dos sindicatos dos mineradores, determinou o fechamento das minas de carvão que não davam lucro. Por consequência, 20 mil postos de trabalho seriam perdidos.

Nesse contexto, cerca de 120 mil trabalhadores entraram em greve. A resposta veio da força policial sobre os piquetes (os confrontos com a polícia, aliás, estão bem presentes no livro). O problema era tão grave que Thatcher esteve prestes a chamar o exército para intervir na greve.  Porém, antes que isso ocorresse, a greve teve fim, sem que o fechamento das minas fosse suspenso.

No livro Billy Elliot, Jackie e Tony são mineradores que enfrentam o período difícil da greve. Jackie, que durante a vida inteira trabalhou em minas de carvão, se vê sem dinheiro e sem alternativas. Tony, por outro lado, adere à greve com a convicção de que o governo não poderia simplesmente prejudicar milhares de famílias por questões políticas.

Já Billy, que é apenas uma criança, vê no ballet uma oportunidade de fugir da tradição da família de se tornar minerador. Porém, nas circunstâncias críticas do momento, corre o risco de perder a única chance que tem para mudar de vida.

A narração

O livro é escrito em primeira pessoa, mas cada capítulo é vivido numa visão de um personagem diferente: às vezes de Billy, outras vezes de Jackie, de Tony ou mesmo de Michael.

Na minha visão, essa foi uma excelente maneira de adaptar o filme ao livro, já que isso permite ao leitor se aproximar muito mais de cada personagem sem perder de vista quem é o protagonista.

Aliás, essas era justamente a intenção do autor:

Eu amei tanto o filme que agarrei a chance de escrever o livro. Eu queria fazer algo que contasse a mesma história, de ângulos diferentes, mas que permanecesse fiel ao filme. Tentei mostrar o que cada personagem está pensando e sentindo – o que é algo que um filme não pode fazer da mesma maneira. – Melvin Burgess

Talvez essa seja a genialidade que torna o livro Billy Elliot ainda melhor que o filme.

Sobre a leitura

Billy Elliot se tornou um dos meus livros favoritos. Os fatos evoluem rapidamente e não demora muito para a palavra “ballet” aparecer na história. É um livro que prende a atenção desde o começo e que faz o leitor ficar sem fôlego até ler o próximo capítulo – e chegar ao fim da história.

O livro tem vários momentos de tensão, como os conflitos da greve, os confrontos em família e a audição Royal. Por outro lado, também está repleto de momentos engraçados e leves, como as interações de Billy com a professora de ballet ou dele com Michael. É, portanto, uma história que conquista por dominar todas as emoções. A cena de Billy dançando com a avó eu sempre levarei comigo.

O contexto histórico também desperta interesse. Confesso que não sabia do impacto que a greve dos mineradores teve no Reino Unido até ler essa história. Vale a pena conhecer e refletir.

Por fim, não posso deixar de comentar sobre o grande tabu que o livro põe em debate: sim, meninos podem dançar ballet. E não, ninguém deveria ter sua sexualidade julgada por isso. Historicamente, o ballet começou sendo dançado por homens. Nesse sentido, é no mínimo incoerente dizer hoje que “ballet é coisa de menina”. A dança é para quem ama dançar.

No livro, o próprio Billy de início se questiona se deveria fazer as aulas de ballet. Porém, ao perceber que é isso que gosta de fazer, logo supera o preconceito e segue seu coração.  E como ele faz para seu pai e seu irmão aceitarem que o ballet é seu sonho? Bem, é isso o que você terá que descobrir no livro.

Não deixe de ler Billy Elliot.

Ficha técnica

Título: Billy Ellliot

Editora: Chicken House

Ano: 2020

Autora: Melvin Burgess

Número de páginas: 192

ISBN: 9781913322144

Disponível em e-book

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