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Uma bailarina improvável

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Livro “Life in motion: an unlikely ballerina”

Se você acredita que para ter sucesso uma bailarina deve começar as aulas de ballet clássico na primeira infância, prepare-se para se surpreender. A história de Misty Copeland quebra diversos paradigmas.

Uma menina pequena e tímida, negra, vinda de uma família grande e desestruturada, que nunca se imaginou na ponta dos pés e começou a dançar aos 13 anos de idade ao acaso. Essa é a história da primeira bailarina do American Ballet Theatre.

A insegura Misty

Irmã do meio entre sete irmãos muito diferentes entre si, Misty era uma menina introvertida e apavorada. Misty cobrava muito a si mesma por perfeição, de modo que errar era seu maior medo. No livro, Misty relata que ansiedade era seu estado de espírito natural:

Eu era apenas nervosa com a vida, ponto final. Eu me sentia estranha, como se não me encaixasse em lugar nenhum, e vivia com medo constante decepcionar minha mãe, ou meus professores, ou a mim mesma.

Misty Copeland – fotografia de Danielle Levitt

A família

Um fato que contribuiu muito para a insegurança de Misty foram as mudanças recorrentes que teve na infância. Desde pequena, devido aos relacionamentos instáveis de sua mãe, Misty e seus irmãos se mudavam com frequência de casa e de cidade, reiniciando cada vez um ciclo de adaptação.

Cada mudança era feita às pressas, num sentimento de fuga e de urgência. Essas “fugas” foram extremamente traumatizantes para Misty e seus irmãos, que nunca sabiam exatamente para onde iriam.

No livro, Misty conta que sua mãe sofreu um passado difícil, o que explica a vida itinerante que eles tinham. Apesar disso, Misty revela que nunca entendeu por que sua mãe não lutava para dar a estabilidade que seus filhos e ela própria almejava.

Nós queríamos uma mãe que fosse responsável, que permanecesse casada ou solteira, e que colocasse os filhos antes de um homem qualquer. (…) Não conseguíamos entender por que ela precisava de um homem – por que nós, crianças, nunca éramos suficientes.

Como tudo começou

Mesmo no contexto familiar difícil, Misty descobriu aos poucos seu amor pela dança.

Com cinco anos de idade, Misty teve seu primeiro contato com o palco. Ela e seus dois irmãos participaram de um show de talentos da escola. Depois da apresentação, a mãe de Misty disse:

Misty, você pertence ao palco.

Anos mais tarde, quando Misty já era adolescente, surgiu o interesse por movimentar o corpo.

Ginástica artística: a beleza do movimento

Sua primeira figura modelo foi Nadia Comaneci, a famosa ginasta romena que nas Olimpíadas de 1976 conquistou o que era considerado impossível: a nota 10. Inspirada com o feito, Misty ensinou a si mesma a fazer os movimentos, e seu corpo os executava com naturalidade. Depois de horas, agradecia sua plateia invisível, esticando os braços para cima. Como Nadia.

Nadia Comaneci, ginasta romena

Mariah Carey: a inspiração veio do pop

Misty também aprendeu a coreografar. Diferentemente de seus irmãos, que passavam horas vendo esportes na TV, Misty ligava a música da Mariah Carey e criava uma pantomima.

Não, não era exatamente George Balanchine. Mas eu podia facilmente me imaginar dirigindo um vídeo para a MTV.

A primeira audição

Outro momento que aproximou Misty da dança foi a audição para fazer parte da equipe de treino da escola (ser uma cheerleader). No seu teste solo, ela não apenas foi aceita, como se tornou a capitã do time. Embora fosse mais nova e não tivesse os mesmos interesses que suas colegas, Misty era repeitada como capitã.

Não havia dúvida de que eu dançava melhor e que era por isso que eu era a capitã. Quando eu estava na sala do treino, eu encontrava minha voz.

Ballet: por que não?

Certo dia, a treinadora do time sugeriu a Misty fazer aulas de ballet. Misty se assustou com a ideia, mas resolveu ir até a Boys and Girls Club gym e assistir a algumas aulas. Semanas mais tarde, tomou coragem e colocou as mãos pela primeira vez na barra.

A primeira experiência não foi boa. Misty se sentiu despreparada e confusa e pensou em desistir. Felizmente, sua professora, Cindy, a incentivou a continuar.

Misty Copeland aos 16 anos

O caminho para o ABT

A primeira vez que Misty ouviu falar do American Ballet Theatre (ABT) foi na casa de sua professora de ballet Cindy, que lhe mostrou vídeos de grandes bailarinos, como Rudolf Nureyev e Paloma Herrera. Quando assistiu ao vídeo de Mikhail Baryshnikov e Gelsey Kirkland, Misty soube que queria ser a Kitri de Dom Quixote.

Misty e Paloma Herrera

Aliás, foi por meio de Dom Quixote que Misty descobriu Paloma Herrera. Misty a viu dançar em Los Angeles e então ficou obstinada em seguir seus passos. Sonhava ser a estrela que ela era.

Eu tinha que andar onde Paloma Herrera andou, dançar onde Paloma Herrera dançou.

Quatro anos depois de assistir aos vídeos, Misty dividiu o palco com Paloma. Hoje, as duas estrelas são grandes amigas.

Um passo de cada vez

Misty começou o ballet aos 13 anos de idade, na escola Boys and Girls Club gym. Pouco tempo depois, foi convidada pela professora a fazer aulas na escola San Pedro Dance Center, onde se destacou muito rápido. Logo Misty fez apresentações por toda Los Angeles, o que chamou a atenção de Debbie Allen, produtora do The Chocolate Nutcracker, um famoso ballet com história paralela ao Quebra-Nozes.

Assim, um ano depois de começar as aulas de ballet, Misty fez uma audição para interpretar Clara. Misty não apenas conquistou o papel como também teve a coreografia alterada, de maneira que a desafiasse mais. A plateia a aplaudiu de pé.

Experiência de palco

Depois dessa apresentação, Misty passou a ensaiar Dom Quixote pela primeira vez. No papel de Kitri, iria se apresentar pela San Pedro Dance Center. Foi nesse período que ela começou a participar de competições, a fim de se desenvolver e se destacar ainda mais.

Misty Copeland como Kitri

Misty ensaiou seis dias por semana durante um mês, e então competiu no Music Center’s Spotlight Awards. Misty ganhou o primeiro prêmio: um belo troféu e 5 mil dólares. Gerald Arpino, diretor do Joffrey Ballet e que fez parte do júri da competição, a abraçou e a convidou pessoalmente a estudar em sua companhia. Rebecca Wright, do ABT, que também era membro do júri, também a convidou.

Com tamanho reconhecimento, Misty também fez audições no Dance Theatre of Harlem, no Pacific Northwest Ballet, no San Francisco Ballet e no New York City Ballet. Misty só não foi aprovada neste último. Com um leque de opções, Misty fez as malas e foi a San Francisco participar do programa de verão.

Programa de verão

Quando retornou, em uma reviravolta na sua vida pessoal, Misty deixou de frequentar a San Pedro Center e passou a ter aulas na Lauridsen Ballet Centre, um pequeno estúdio de grande reputação na Califórnia. Foi lá que percebeu que precisava polir sua técnica de dança, mesmo já sendo considerada um prodígio.

Meses depois, já aos 16 anos, Misty fez uma audição e ganhou uma bolsa integral para participar do programa de verão do ABT, em Nova Iorque. Lá, dançava 7 horas por dia, durante toda a semana. No recital de encerramento, Misty foi convidada a fazer parte da Companhia Júnior do ABT. Porém, Misty precisava terminar o ensino médio, então recusou a oferta. Mas a aceitou no ano seguinte.

A carreira no ABT

Aos 18 anos, Misty ingressou na Companhia e, aos 19, Misty foi promovida ao corpo de baile do ABT.

Mas, nem tudo são flores. Após muitos anos como membro do corpo de  baile, Misty se sentiu isolada da Companhia. Misty percebeu que o racismo no ballet estava prejudicando sua carreira. Foi então que começou a frequentar aulas no Dance Theatre of Harlem, onde foi convidada a ser solista e interpretar Giselle.

Misty considerou abandonar o ABT, mas sentiu que isso seria uma fuga. Então, recusou a oferta. Mas, o convite foi uma injeção de confiança para ela lutar ainda mais pelo seu sonho de ser a bailarina principal. E foi o que ela fez.

Misty agendou uma reunião com o diretor da ABT e afirmou que queria progredir como bailarina clássica. Meses depois (após seis anos como membro do corpo de baile), Misty foi promovida a solista.

Por fim, depois de muito trabalho duro, quatro anos depois de dançar como solista, Misty se tornou a primeira bailarina do American Ballet Theatre.

Ficha técnica

Título: Misty Copeland: an unlikely ballerina

Editora: Sphere

Ano: 2017

Autora: Misty Copeland

Número de páginas: 304

ISBN: 978-0751565638

Disponível em e-book

Sobre a leitura

Como esse livro eu li no kindle, não posso opinar sobre o material do livro físico. Mas eu te asseguro: a magia desse livro é tão grande que o cheirinho bom das páginas de tinta nem me fez falta!

De fato, o livro é tão cativante que, embora eu já tivesse lido antes, acabei relendo tudo de novo para fazer o post aqui! Foi inevitável: Misty é maravilhosa não apenas como bailarina, mas como escritora também.

A biografia de Misty Copeland, tal como a de Michaela DePrince, por ser escrita em primeira pessoa, acaba prendendo muito a atenção. Isso porque a gente imerge num mundo completamente novo e sente o que ela sente, vibra com suas vitórias e sofre com suas derrotas. Em outras palavras, a empatia é grande!

Esse livro é tão prazeroso de ler quanto um romance. E, como sabemos quem é Misty Copeland hoje, sabemos que o final é feliz, embora as dificuldades em sua vida tenham sido muitas.

Para ser a primeira bailarina do American Ballet Theatre, Misty teve de enfrentar problemas pessoais, financeiros, racismo, inveja, lesões. Tudo isso é descrito com detalhes, num vai e volta no tempo bastante interessante. Aliás, acho que os flashbacks são o que mantêm o leitor ainda mais vidrado.

Embora, devo dizer, às vezes pode ser difícil acompanhar essa mudança temporal, além da grande quantidade de nomes relevantes na vida da autora. Foi apenas com a releitura que eu realmente compreendi as minúcias. Por outro lado, os principais eventos narrados já marcam na primeira leitura.

Acho que a mensagem mais importante do livro é que o talento não basta por si só. Sim, Misty começou dançar com 13 anos de idade e pouco tempo depois já era chamada por muitos de prodígio. Porém, não foram somente suas habilidades naturais que a levaram ao topo. Seu esforço incansável e sua vontade de se provar guiaram seu caminho. Não houve obstáculo que ela não conseguisse superar.

Misty Copeland em Firebird, com Herman Cornejo – fotografia de Gene Schiavone

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