A verdadeira história do Quebra-Nozes
Livro: “O Quebra-Nozes”, de E.T.A Hoffmann e Alexandre Dumas
O Ballet O Quebra-Nozes é um dos ballets mais famosos e talvez o mais dançado no mundo. Milhares de pessoas já assistiram ou pelo menos ouviram falar da história da menina que ganha um boneco de madeira no Natal e então presencia uma batalha entre ele e o Rei dos Ratos, para depois viajar com ele pelo Reino dos Doces e por fim acordar de um lindo sonho.
Mas será que a verdadeira história do Quebra-Nozes é assim?
Na leitura de O Quebra-Nozes, descobri que não.
Como o Quebra-Nozes virou um boneco de madeira?
O que não sabemos, ao assistir ao ballet, é a história de como o Quebra-Nozes virou um boneco de madeira. É bem verdade que o ballet tem diversas adaptações diferentes, mas nenhuma delas esclarece essa questão.
Nos contos do livro O Quebra-Nozes, descobrimos que tudo começou com a história da Noz Krakatuk e da Princesa Pirlipat. Vou resumir aqui à minha maneira, mas não deixe de ler a história no livro, que é muito mais encantadora!
A História da Noz Krakatuk e da Princesa Pirlipat
Pois bem. Muito resumidamente, tudo começou com o feitiço de uma rata chamada Dona Camundonga. Essa rata, que teve todos os seus parentes e amigos ratos mortos por ordem do rei, resolveu se vingar dele e da rainha enfeitiçando a pequena princesa Pirlipat. A menina, que era uma bebê de beleza inigualável, teve toda sua aparência deformada:
“Em vez da cabecinha de anjo de pele rosada e cachinhos dourados, o que viram foi uma cabeça inchada e deformada sobre um corpinho mirrado. Os olhos azul-turquesa tinham se transformado em olhos verdes, arregalados e paralisados, e a boquinha agora ia de uma orelha à outra”.
O rei atribuiu a desgraça a Christian Elias Drosselmeier, o inventor das ratoeiras que matou todos os ratos, e determinou que ele revertesse a situação, sob pena de morte. Drosselmeier consultou o astrólogo do reino, que disse que a princesa tinha salvação: ela deveria comer uma noz chamada Krakatuk, a qual tinha uma casca tão dura que era quase impossível que se partisse. Mas, não era só isso: a noz deveria ser quebrada diante da princesa por um homem que nunca tivesse cortado a barba e que nunca tivesse usado botas, e, então, de olhos fechados, ele daria o coração da noz Krakatuk para a princesa e recuar sete passos sem tropeçar.
Quinze anos se passaram, mas Drosselmeier e o astrólogo não encontraram em nenhum lugar do mundo a bendita noz Krakatuk. Desconsolado, Drosselmeier voltou à sua cidade natal visitar seu primo, Christoph Zacarias Drosselmeier, e lhe contou toda sua odisseia.
Por uma incrível coincidência, o primo Drosselmeier tinha a noz Krakatuk consigo o tempo todo. E, melhor ainda, seu filho preenchia todas as características necessárias para desfazer o feitiço. Ele era inclusive chamado pelas moças de “o Belo Quebra-Nozes”! Certos de que Drosselmeier, o inventor, estava a salvo, e de que todos ficariam muito ricos, foram ele, o astrólogo e o jovem Drosselmeier até o reino.
Para garantir que o jovem Drosselmeier conseguiria quebrar a noz Krakatuk, o inventor criou um dispositivo que ligava uma trança de madeira à mandíbula do rapaz, de maneira que, movendo a trança, ele moveria a mandíbula com grande força.
Uma vez diante do rei, da rainha e da princesa Pirlipat, o jovem Drosselmeier moveu a trança de madeira e quebrou a noz Krakatuk com facilidade. Em seguida, de olhos fechados, ofereceu a noz para a princesa. No momento que ela a comeu, o feitiço foi quebrado. Ela voltou a ser a bela princesa Pirlipat! Porém, ainda faltavam os sete passos para trás. Quando o jovem foi dar o último passo, dona Camundonga apareceu, fazendo-o pisar nela e tropeçar. Dona Camundonga não resistiu ao ferimento, mas prometeu que seu filho, o Rei dos Ratos, vingaria sua morte. O jovem Drosselmeier, por outro lado, em um instante se tornou tão deformado quanto a princesa Pirlipat fora até então. A princesa, vendo seu salvador com uma aparência horrenda, o rejeitou, e o rei expulsou Drosselmeier, o astrólogo e o Quebra-Nozes do castelo.
O astrólogo, porém, fez uma previsão: o jovem Drosselmeier se daria muito bem na sua nova forma, tornando-se príncipe e rei. Porém, sua deformidade só desapareceria se ele derrotasse o Rei dos Camundongos e se uma mulher se apaixonasse por ele, apesar de sua feiura.
Marie e Fritz
A história da noz Krakatuk e da Princesa Pirlipat é o grande porquê de tudo o que acontece naquela noite de Natal, sendo contada por ninguém menos que o próprio padrinho/tio Drosselmeier. Marie (ou Clara, para quem a conhece do ballet) e Fritz ouvem atentamente a tudo e se tornam os heróis da história.
Embora Marie seja a verdadeira protagonista, Fritz também tem uma participação importante no enredo. Sem ele, o Quebra-Nozes não teria derrotado o Rei dos Camundongos.
Duas versões
O livro O Quebra-Nozes traz as duas versões da história: o conto original, O Quebra-Nozes e o Rei dos Camundongos, escrito por E.T.A. Hoffmann, e o conto clássico, História de um Quebra-Nozes, no qual se baseou o ballet, escrito por Alexandre Dumas (pai).
Quando comparados entre si, os contos são muito semelhantes, mas eles contêm algumas diferenças. Na versão alemã, por exemplo, a família Stahlbaum é composta por três irmãos: Marie, Fritz e Luise. Na versão francesa, por outro lado, existem apenas dois irmãos, Marie e Fritz, e a personagem de Luise dá lugar à governanta, a senhorita Trudchen.
Outra diferença está nas condições para desfazer o feitiço da princesa Pirlipat: na versão original, a noz deveria ser quebrada diante da princesa por um homem que 1) nunca tivesse cortado a barba e que 2) nunca tivesse usado botas. Na versão clássica, por outro lado, a casca deveria ser quebrada pelos dentes de um jovem que nunca tivesse feito a barba e que até então só tivesse usado botas.
Esses pequenos detalhes, embora não tenham tanta relevância para a essência da história, para mim contribuíram para preferir uma versão à outra.
Ficha técnica
Título: O Quebra-Nozes
Editora: Zahar
Ano: 2018
Autores: Alexandre Dumas e E.T.A. Hoffmann
Número de páginas: 348
ISBN: 978-85-378-1798-8
Disponível em e-book
Sobre a leitura
Livro físico
O livro O Quebra-Nozes é caprichadíssimo: capa dura, guarda decorada, tamanho prático, ilustrações originais. Tudo lindo!
Minha única crítica nesse ponto (se é que pode ser chamada assim) é quanto à ordem dos contos. Para mim, teria mais lógica o conto original ser apresentado antes, e depois o conto clássico, adaptado. Mas, isso realmente não prejudica em nada a qualidade do livro.
Apresentação
Para além da aparência deslumbrante, o conteúdo é o que realmente conquista. A apresentação de Priscila Mana Vaz é superesclarecedora. Ali ela conta um pouco da história de cada autor (E.T.A. Hoffmann e Alexandre Dumas) e também dedica um trecho especial para a história do Ballet O Quebra-Nozes, do nosso querido e amado Tchaikovsky. É nessa parte que ela revela, por exemplo, que a primeira montagem do ballet não teve sucesso, saindo de cartaz depois de apenas 13 apresentações.
Os dois contos
A respeito de cada versão da história, confesso que o conto de Alexandre Dumas me cativou muito mais do que a versão original de Hoffmann. Durante minha leitura, achei que não apenas a linguagem, mas a própria construção da história por Alexandre Dumas é muito mais elaborada e envolvente.
Outra coisa que me conquistou na versão francesa é o prefácio: nele o autor conta de uma maneira muito divertida como ele criou sua própria versão do conto. Para mim, essa introdução deixou a experiência ainda mais agradável e interessante.
Apesar da minha preferência por História de um Quebra-Nozes, O Quebra-Nozes e o Rei dos Camundongos também tem seus méritos. Um deles é a linguagem clara e acessível dessa versão. Nesse sentido, Dumas pode até ser considerado rebuscado se comparado com Hoffmann.
As crianças
O que torna a história realmente encantadora é a visão de Marie e de Fritz sobre o que acontece à volta. A maneira infantil, doce e inocente de pensar deles nos leva de volta à infância. Em muitos momentos me senti como a própria Marie, cuidando de suas bonecas, vendo suas expressões e entendendo o que elas pensam. É uma maneira de olhar o mundo de um jeito muito puro e cheio de esperança.
Dúvidas
[ALERTA DE SPOILER]
Sobre a história, fiquei com algumas dúvidas (me ajudem nos comentários!).
Primeiro, o rapaz Drosselmeier era sobrinho do Drosselmeier inventor. Porém, quando ele derrota o Rei dos Camundongos e leva Marie ao Palácio dos Marzipãs, suas irmãs correm para saudá-lo, chamando-o de príncipe.
Quando ele se tornou príncipe? Que irmãs são essas? Como ele chegou até aquele reino encantado antes?
Essas foram algumas perguntas para as quais não encontrei resposta.
Segundo, quando Marie se casa com o Quebra-Nozes, ela não tem nem 10 anos de idade. Isso está na história porque era comum na época em que foi escrita ou seria mesmo um erro dos autores não terem evidenciado a passagem do tempo?
Estou mais inclinada à primeira resposta, mas isso me causa certa estranheza. Estou tentando relevar em consideração à beleza do conto em geral!
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Bom, vou encerrar a resenha por aqui, senão o post vai ficar gigante.
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Até a próxima!